segunda-feira, 8 de junho de 2020

'Diálogo com Guimarães Rosa' Por Günter Lorenz


O Templo Cultural Delfos é um Repositório Digital de conteúdos culturais, educacionais, artísticos e científicos. Já é considerado por muitos uma das maiores referências biobibliográficas de autores literários de língua portuguesa. E foi de lá que o meu parceiro, editor e multi-artista, Pepe Chaves, garimpou esta entrevista história que transcrevo sua introdução aqui no blog. Boa leitura a todos:


Diálogo com Guimarães Rosa
Gênova, janeiro de 1965.


Guimarães Rosa em foto emblemática com seu gato























LORENZ: Ontem, quando escritores participantes deste Congres­so[1] debatiam sobre a política em geral e o compromisso político do escritor, você, João Guimarães Rosa, político, diplomata e escritor brasileiro, abandonou a sala. Embora sua saída não tenha sido de­monstrativa, pela expressão de seu rosto e pelas observações que fez, podia-se deduzir que o tema em questão não era de seu agrado.

GUIMARÃES ROSA: É verdade; agi daquela forma, porque o tema não me agradava. E para que nos entendamos bem, digo-lhes que não abandonei a sala em sinal de protesto contra o fato de esta­rem discutindo política. Não foi absolutamente um ato de protesto. Saí simplesmente, porque achei monótono. Se alguém interpreta isto como um protesto, nada posso fazer. Embora eu veja o escritor como um homem que assume uma grande responsabilidade, creio en­tretanto, que não deveria se ocupar de política; não desta forma de política. Sua missão é muito mais importante: é o próprio ho­mem. Por isso a política nos toma um tempo valioso. Quando os escritores levam a sério o seu compromisso, a política se torna su­pérflua. Além disso, eu sou escritor, e se você quiser, também di­plomata; político nunca fui.

LORENZ: É uma bela opinião sobre a importância do papel do escritor: mas não será demasiado idealista? Foram discutidos mui­tos aspectos do cotidiano político; e, além disso, acho que um escritor não teria muitas probabilidades de êxito se, como você quer, tra­tasse apenas do homem em geral, deixando de lado a vida diária desse mesmo homem.

GUIMARÃES ROSA: Posso compreender isso e também sei que aqui provavelmente todos pensam de modo diferente do meu. En­tretanto, me propus a dizê-lo claramente: tenho a impressão de que todos eles discutem demasiado, e por isso não conseguirão realizar tudo o que desejam. Perdem muito tempo, que empregariam me­lhor escrevendo. Mesmo supondo-se que tudo aquilo que dizem es­tivesse certo, então seria ainda mais acertado que cada um escrevesse sua opinião, em vez de expressá-la perante um auditório tão limitado. A palavra impressa tem a maior eficácia e além disso estas discussões secas me entediam, pois são muito aborrecidas. Descon­fio que só são feitas para alguns deles poderem se confirmar a si ; próprios sua importância e poderem assim se desligar de sua res­ponsabilidade sem peso de consciência. Naturalmente isto não vale para todos, pois quando homens como Asturias falam pró domo, terão também suas razões. Mas você já observou que os que mais falam de política são sempre aqueles que têm menos livros publi­cados? Quando os têm, não são livros onde expressem idéias semelhantes às expostas aqui. Noto a falta de coerência entre suas obras e suas opiniões.

LORENZ: Você quer dizer então que aprova que um escritor discuta sobre política, apenas quando também às suas obras devam unir acento político, e não quando se mostrar politicamente neutro em suas obras?

GUIMARÃES ROSA: Sim, é verdade que, embora eu ache que um escritor de maneira geral deveria se abster de política, peço-lhe que interprete isto mais no sentido da não participação nas ninharias do dia a dia político. As grandes responsabilidades que um escritor assume são, sem dúvida, outra coisa...

LORENZ: Bem, João Guimarães Rosa, creio que neste círculo você é o único a pensar desta forma, já que Borges não está pre­sente para nos dar seu testemunho de apolítico.

GUIMARÃES ROSA: Acho que você me entendeu mal. Aparen­temente está se referindo ao que aconteceu em Berlim[2]. Acerca disto queria dizer que estou do lado de Asturias e não de Borges. Em­bora não aprove tudo o que Asturias disse no calor do debate, não aprovo nada do que disse Borges, As palavras de Borges revelaram uma total falta de consciência da responsabilidade, e eu estou sempre do lado daqueles que arcam com a responsabilidade e não dos que a negam.

LORENZ: Eu não queria que dedicássemos a tais assuntos as poucas horas que temos para conversar durante este caótico con­gresso; não obstante, creio que eles nos conduzem ao nosso tema.

GUIMARÃES ROSA: Certo, já estamos nele. Só quis dizer há pouco que a maioria dos que aqui expressam suas opiniões não exa­minam o verdadeiro sentido de suas palavras antes de pronunciá-las, e por isso não prestam aos demais, que já citei, nenhum bom serviço.

LORENZ: Penso que, para encaminharmos nosso diálogo a uma certa direção, seria melhor estabelecermos uma espécie de itinerário. Você está de acordo?

GUIMARÃES ROSA: Estou. Deixo que você determine a direção.

LORENZ: Pois bem, estes assuntos políticos que abordamos há pouco não estavam em meu itinerário. Cheguei a eles, porque as circunstâncias os trouxeram. Há outros temas que me interessam muito mais, uma vez que tenho a extraordinária ocasião, a sensacio­nal oportunidade, por assim dizer, de haver conseguido uma entre­vista com o inimigo de toda a espécie de entrevistas e terror dos re­pórteres: Guimarães Rosa...

GUIMARÃES ROSA: Devo fazer duas objeções. Primeiro, e já disse isso, agrada-me conversar com você, pois escreveu a meu res­peito coisas tão encantadoras e interessantes que gostaria de tratar delas novamente, ainda que fosse unicamente por razões de egoísmo. Em segundo lugar, peco-lhe que não use essa horrível expressão “entrevista”. Eu certamente não teria aceito seu convite se esperasse uma entrevista. As entrevistas são trocas de palavras em que um formula ao outro perguntas cujas respostas já conhece de antemão. Vim como combinamos porque desejávamos conversar. Nossa con­versa, e isto é o importante, desejamos fazê-la em conjunto.

LORENZ: Considero isto como uma honra, e esteja certo de que sinto uma grande alegria por podermos estar aqui juntos e conversar. Isto não é nada comum e, no que se refere a você...

GUIMARÃES ROSA: Chega. Só me oponho a matar o tempo com insignificâncias e com gente que não sabe nada de nada. Pelo jeito desfruto de uma estranha reputação e, entretanto, sou brasileiro.

LORENZ: Certo, goza dessa fama e provavelmente não sem ra­zão. No Brasil também. Mas vamos nos dar por satisfeitos. Os mo­tivos de nosso encontro ficam assim esclarecidos, e voltemos ao nosso “itinerário”. Gostaria de falar com você sobre o escritor Gui­marães Rosa, o romancista, o mágico do idioma, baseando-nos em seus livros que fazem parte, penso eu, do tema “o homem do ser­tão”.

GUIMARÃES ROSA: Sim, acho que se quiséssemos dizer sobre estes três ou quatro pontos tudo os que temos de dizer, daqui a um ano ainda estariam conversando. Bem, você nem eu temos tanto tempo. Suponho que esta enumeração das coisas que lhe interessam a meu respeito não tem uma seqüência estrita...

LORENZ: Apenas uma seqüência improvisada, intercambiável.

GUIMARÃES ROSA: Precisamente, e por isso gostaria que começássemos pelo que você mencionou como tema final. Chamou-me “o homem do sertão”. Nada tenho em contrário, pois sou um sertanejo e acho maravilhoso que você deduzisse isso lendo meus livros, porque significa que você os entendeu. Se você me chama de “o homem do sertão” (e eu realmente me considero como tal), queremos conversar sobre este homem, já estão tocados no fundo os outros pontos. É que eu sou antes de mais nada este “homem do sertão”; e isto não é apenas uma afirmação biográfica, mas também, e nisto pelo menos eu acredito tão firmemente como você, que ele, esse “homem do sertão”, está presente como ponto de partida mais do que qualquer outra coisa.



A entrevista é longa e você continua acessando-a aqui no Templo Cultural Delfos


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