sexta-feira, 18 de abril de 2025

A Poesia Não Cala, Conversa

@arteIA
 













Por Antonio Siqueira 


A poesia nunca foi boa de papo. Ela prefere sussurros, cortes, rasgos. Fala em metáforas porque sabe que a verdade cabe melhor em pedaços. Quando pergunto: "Com quem você dialoga?", ela ri, acende um cigarro imaginário e responde:

— Com o mendigo que dorme na esquina. Com a nuvem que engasga de poluição. Com a memória do primeiro beijo que ninguém esquece, nem que queira.

A poesia é aquele estranho na festa que, em vez de dançar, observa os sapatos dos convidados. Enquanto o mundo discute algoritmos, ela coleciona restos: uma carta não enviada, um cadarço desamarrado, um telefone público que ainda funciona.

No século passado, ela flertou com as revoluções. Carlos Drummond escreveu "Mundo mundo vasto mundo" e ela, traiçoeira, virou arma política. Nos anos 60, foi à rua com os tropicalistas, vestida de parangolé e grito. Hoje, navega no TikTok, disfarçada de hashtag, enquanto ensina adolescentes a rimar dor com amor sem parecer clichê.

Mas seu diálogo mais profundo é com o que não se diz. A poesia é a tradutora dos silêncios: o vazio entre duas pessoas na cama, o que a mãe esconde atrás do "estou bem", o peso da palavra "nunca" quando cai no chão.

Às vezes, ela briga com a prosa. Dizem que é arrogante, que se acha superior por usar versos. Ela revida:

— Não sou eu que me enfeito com palavras. São as palavras que se enfeitam comigo.

E dialoga, claro, com outras artes. Rouba cores dos pintores, compassos dos músicos, movimentos dos dançarinos. No cinema, sussurra legendas que ninguém lê. Na fotografia, escreve epígrafes para retratos de desconhecidos.

Seu maior segredo? A poesia não quer ser entendida. Quer ser sentida. Como o cheiro de chuva no asfalto quente. Como um gole de café amargo que, de repente, sabe a infância.

No fim, pergunto:

— E comigo, poesia? Você fala comigo?

Ela encolhe os ombros, apaga o cigarro no ar.

— Você é só mais um que ouve, mas não escuta.

Mas deixa cair no chão, sorrateira, um verso:

"Amanhã, talvez, você me leia de novo."


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