O assassinato de Victor Jara
Por Antonio Siqueira
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11 de setembro é a data do golpe auxiliado pelos EUA que derrubou Salvador Allende no Chile e assassinou milhares de opositores que se negaram à escravidão ianque. Victor Jara, um dos maiores músicos da Nueva Canción foi cruel e covardemente assassinado nesse dia. |
No dia 11 de setembro, sabendo do golpe que derrubava Allende, Jara correu para a universidade onde trabalhava para se juntar aos 600 estudantes que ocupavam o prédio. Dali, mesmo sem muito armamento, resistiriam aos militares. Os tanques cercaram a universidade. Um companheiro vendo Jara com seu violão lhe disse:
“Chegou a hora de trocar o violão pelo fuzil!”.
Victor Jara respondeu, de maneira simples, que não sabia atirar e continuaria a usar sua melhor arma… cantou sem parar, animando a resistência. Depois de uma luta desigual, foram obrigados a se render. A multidão foi levada para o Estádio Chile.
Victor presenciou cenas terríveis… estudantes torturados, outros executados ao tentarem escapar… outros, ainda, suicidando-se, perdidos em desespero. Percebeu logo seu destino. Pediu pedaços de papel e lápis aos companheiros. Mal acabara de escrever este que seria seu último poema, militares o puxavam para conduzi-lo ao Estádio Nacional do Chile. Antes de sair, conseguiu clandestinamente passar o papel para um companheiro que, passando a outro e a outro e a outro, salvaram o manuscrito.
A coluna de
Luiz Nassif transcreveu assim os textos retirados de “
No Olho do Furacão” escrito pelo jornalista
Paulo Cannabrava com fontes de depoimentos colhidos por testemunhas que assistiram ao massacre de Vitor Jara no Estadio Chile, que hoje, leva o seu nome como homenagem póstuma. Cannabrava narra assim os últimos momentos de Jara:
“Em um dado momento, Victor desceu para a platéia e se aproximou de uma das portas por onde entravam os detidos. Ali topou – cara a cara – com o comandante do campo de prisioneiros que o olhou fixamente e fez o gesto mímico de quem toca violão. Victor assentiu com a cabeça, sorrindo com tristeza e ingenuidade. O militar sorriu contente com sua descoberta.
Levaram Victor até a mesa e ordenaram que pusesse suas mãos em cima dela. Rapidamente surgiu um facão. Com um só golpe cortaram seus dedos da mão esquerda e, com outro, os da mão direita. Os dedos caíram no chão de madeira, ainda se mexendo, enquanto o corpo de Victor se movia pesadamente.
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Depois choveram sobre ele golpes, pontapés e os gritos: ‘canta agora… canta…’, a fúria desencadeada e os insultos soezes do verdugo ante um ‘alarido coletivo’ dos detidos.
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De improviso, Victor se levantou trabalhosamente e, com o olhar perdido, dirigiu-se às galerias do estádio… fez-se um silêncio profundo. E então gritou:
- Vamos lá, companheiros, vamos fazer a vontade do senhor comandante.
Firmou-se por alguns instantes e depois, levantando suas mãos ensangüentadas, começou a cantar em voz ansiosa o hino da Unidade Popular (Coligação de partidos de esquerda que apoiavam o governo de Allende), a que todos fizeram coro.
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Aquele espetáculo era demasiado para os militares. Soou uma rajada e o corpo de Victor começou a se dobrar para a frente, como se fizesse uma longa e lenta reverência a seus companheiros. Depois caiu de lado e ficou ali estendido.”
Edwin Dimter Bianchi, «o príncipe», é recordado por muitos pela sua crueldade quando, por ocasião do golpe de estado militar de 1973, esteve no Estádio do Chile durante aqueles dias. Foi
Edwin Dimter Bianchi, «o princípe», que assassinou Victor Jara depois de o ter torturado ao longo de várias horas. Victor Jara recebeu então quarenta e quatro tiros. Desde então, os tribunais nada fizeram. Mas o bravo povo chileno não esqueceu. E Edwin Dimter sabe agora que a sua tranquilidade, tal como a sua impunidade, acabaram. Desmascararam-no. As mãos de Victor Jara perseguem-no e lançam-no ao inferno.
Último poema de Victor Jara
(Traduzido para o português)
Somos cinco mil
nesta pequena parte da cidade.
Somos cinco mil.
Quantos seremos no total,
nas cidades e em todo o país?
Somente aqui, dez mil mãos que semeiam
e fazem andar as fábricas.
Quanta humanidade
com fome, frio, pânico, dor,
pressão moral, terror e loucura!
Seis de nós se perderam
no espaço das estrelas.
Um morto, um espancado como jamais imaginei
que se pudesse espancar um ser humano.
Os outros quatro quiseram livrar-se de todos os temores
um saltando no vazio,
outro batendo a cabeça contra o muro,
mas todos com o olhar fixo da morte.
Que espanto causa o rosto do fascismo!
Colocam em prática seus planos com precisão arteira,
sem que nada lhes importe.
O sangue, para eles, são medalhas.
A matança é ato de heroísmo.
É este o mundo que criaste, meu Deus?
Para isto os teus sete dias de assombro e trabalho?
Nestas quatro muralhas só existe um número
que não cresce,
que lentamente quererá mais morte.
Mas prontamente me golpeia a consciência
e vejo esta maré sem pulsar,
mas com o pulsar das máquinas
e os militares mostrando seu rosto de parteira,
cheio de doçura.
E o México, Cuba e o mundo?
Que gritem esta ignomínia!
Somos dez mil mãos a menos
que não produzem.
Quantos somos em toda a pátria?
O sangue do companheiro Presidente
golpeia mais forte que bombas e metralhas.
Assim golpeará nosso punho novamente.
Como me sai mal o canto
quando tenho que cantar o espanto!
Espanto como o que vivo
como o que morro, espanto.
De ver-me entre tantos e tantos
momentos do infinito
em que o silêncio e o grito
são as metas deste canto.
O que vejo nunca vi,
o que tenho sentido e o que sinto
fará brotar o momento…”
(Victor Jara, Estádio de Chile, Setembro 1973).
Vitor Jara - Te Recuerdo Amanda