Depois de penar por horas com meus vizinhos escutando funk exaustiva e animalescamente, não pude deixar de me lembrar de uma pequena resenha escrita pelo meu saudoso amigo, o escritor, jornalista e tecnólogo: Fernando Toledo para o Caderno B do Jornal do Brasil em Março de 2005. Era um box sobre a resenha do ótimo Luís Pimentel , Jornalista de O Dia no livro "Batidão - Uma história do funk", de Sílvio Essinger que li em 2008. Achei muito proveitosa a abordagem do grande Essinger. Esse texto é eterno para mim...Com a palavra, Fernando Toledo:
Não é música, muito menos arte
Por Fernando Toledo
Muito se escreve sobre o funk carioca: alguns defendendo-o como manifestação artística legítima dos guetos do Rio de Janeiro; outros atacando-o, baseados em seus aspectos mais óbvios, como suas letras estilisticamente pobres, geralmente calcadas na apologia de drogas, violência e sexo desenfreado. Tudo isso é real, sem dúvida, mas o que esses óbvios detratores se esquecem é do aspecto mais importante em tudo isso: o funk carioca não pode, em hipótese alguma, ser chamado de música.
Para que o fenômeno musical ocorra, três elementos devem estar presentes: ritmo, melodia e harmonia. E, nesse pretenso estilo, somente o primeiro se manifesta. O funk carioca se baseia, simplesmente, em frases entoadas ao longo de uma base rítmica, sem que haja um sentido horizontal (notas em série) ou vertical (notas sobrepostas, constituindo acordes). Dessa forma, não é música.
Outro aspecto que cabe ressaltar é o de que qualquer obra de arte deve advir do engenho humano, de uma transmutação da realidade existente por meio do homem. E os ditos ''compositores'' de funk não operam neste sentido: limitam-se a samplear bases preexistentes para que os supostos ''cantores'' desfilem sua pretensa poesia. O elemento humano, o ser criativo, está excluído, logo, não pode nem mesmo ser chamado de arte, mesmo com a maior das condescendências.
Assim sendo, pode-se afirmar, sem medo, que o funk carioca não é manifestação artística legítima de gueto nenhum, visto que, simplesmente, não é música, nem mesmo arte. E que opera numa esfera muito distante do humano.
Batidão de Silvio Essinger nas livrariasdesde 2005 e está na sua 6ª edição.
*Fernando Toledo, morto em 2006, era cientista, jornalista, escritor, crítico de musica e literatura, tendo escrito colunas nas publicações, “O Pasquim 21”, “Revista Música Brasileira”, "Jornal Brasilian Press", "Arena Cult", “Agenda do Samba & Choro” colaborando também com o Jornal do Brasil em 2005 . Os artigos da época do Caderno B do JB não estão mais disponíveis na Web, mas esse texto foi publicado em um box, junto da resenha do livro "Batidão - Uma história do funk", na edição do caderno B do JB de 27/03/2005.