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Excelente o artigo de
Zuenir Ventura,
O Globo de sábado, destacando, para muitos, uma face do cantor Roberto Carlos, um artista a favor da censura, não só à biografia de
Paulo Cesar de Araújo sobre ele, mas também chegando ao ponto de cumprimentar o ex-presidente Sarney, quando, no seu governo, proibiu a exibição do filme “
Je vous salue Marie”, de
Jean Luc Godard, autor de extensa obra cinematográfica, na qual “
O Acossado” tem lugar de destaque. O texto do estúpido telegrama enviado, acentuou
Zuenir, encontra-se no site do jornalista Mário Magalhães.
Aliás, diga-se de passagem, foi igualmente absurda a decisão de José Sarney, um membro da
Academia Brasileira de Letras. Voltando a
Roberto Carlos, o aspecto a meu ver mais impressionante, é que provavelmente tornou-se o único artista a defender a censura. Uma contradição profunda que o expõe a uma situação muito ruim, além de vergonhosa. Esqueceu que a inspiração da arte está na liberdade de criação e que, até hoje, no mundo, não há exemplo de uma obra interditada no passado que depois não tenha sido exibida livremente. Alias, o srº Roberto Carlos foi a maior arma da ditadura que nos afastou do universo por duas décadas e meia, todos sabem. Não só este senhor, como uma outra horda de lacaios do marasmo que não vale a perda de tempo em cita-los como
Renato Aragão, por exemplo, outro "cancro institucionalizado" no âmago das culturas de massa, agora descartado...tarde, mas descartado.
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Sem exceções. Podem procurar na literatura, no teatro, no cinema, na pintura até mesmo na escultura. A igreja da Pampulha, à beira do lago de Belo Horizonte, de Oscar Niemeyer figura nessa relação de sombras produzidas pelo fanatismo, pelo falso puritanismo, pela burrice enfim. O próprio Vaticano, no passado, chegou a colocar no index obras de arte importantíssimas. Um esforço em vão de tentar eternizar conceitos que o tempo ultrapassa e de julgar, por si, a liberdade e a visão cultural dos outros.
Como toda censura é retrógrada, o comportamento de Roberto Carlos pode ser também assim classificado. Obscurantista. Ridículo, em total contradição com a arte e, portanto ,como artista que é, consigo mesmo. Colocado à frente de um espelho a imagem que surge e reflete não o favorece. Pelo contrário. O prejudica diante de milhões de pessoas que admiram suas interpretações e composições musicais. Ele não suportaria ver censurada uma de suas obras, claro, até por que não haveria o que censurar, dada a pobreza de argumentos, valores e prerrogativas, RC sempre foi lamentável ideologicamente e até piegas, tanto do ponto de vista estético quanto do ponto de vista cultural. Portanto Mesmo assim sendo, ele não pode apoiar a censura às obras dos outros. A começar pela biografia de Paulo Cesar de Araújo feita sobre sua vida. Pois se todas as biografias dependessem de aprovação prévia dos biografados, os prejuízos recairiam principalmente na história geral. Porque todos os focalizados transformariam em heróis de si mesmos. Todos eles titulares de condutas exemplares e próximas da perfeição. E, convenhamos, a biografia de RC é um lixo literário bem aos moldes da sociedade brasileira recriada a parir do Golpe de 1964 e alimentada com fervor pelas
Organizações Globo do grande devorador de mentes,
Roberto Marinho, parceiro e sócio de Roberto enquanto viveram contemporaneamente.
E todos nós sabemos que não é nada disso. No caminho de todos os seres humanos há sempre um álbum de família, peça de
Nelson Rodrigues de difícil ultrapassagem e superação. Por mais importantes que sejam ou tenham sido em suas vidas. Por mais que tenham acrescentado à própria humanidade.
Roberto Carlos precisa acordar - ou sumir: se a censura prevalecesse, a arte já teria chegado ao fim. A arte é, sobretudo, liberdade de criação, de interpretação, de exposição. O que na minha modesta e pessoal opinião, estáaa arte pura, cristalina e essencial à formação humana está há anos-luz da "obra" do cidadão
Roberto Carlos Braga.
A.S - Segunda-Feira 26.05.14
O
Arte Vital Blog transcreve aqui o excelente artigo do jornalista Zuenir Ventura em O globo de 24.05
O rei saúda a censura
por Zuenir Ventura
O Globo
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Zuenir Ventura |
Na época, o telegrama de Roberto Carlos ao então presidente José Sarney teve repercussão, mas é oportuna agora sua publicação na íntegra pelo blog do jornalista Mário Magalhães. Lá está com todas as letras:
“Cumprimento Vossa Excelência por impedir a exibição do filme ‘Je vous salue, Marie’, que não é obra de arte ou expressão cultural que mereça a liberdade de atingir a tradição religiosa de nosso povo e o sentimento cristão da Humanidade. Deus abençoe Vossa Excelência. Roberto Carlos Braga.”
O diretor do filme, o franco-suíço Jean-Luc Godard, era ninguém menos do que um dos principais representantes da Nouvelle Vague e autor de uma obra, de fato, polêmica, mas respeitável.
Era o começo da Nova República, que vinha substituir a ditadura. Menos de um ano antes, no dia 29 de junho de 1985, um ato público no Teatro Casa Grande, no Rio, reuniu cerca de 700 intelectuais e artistas para ouvir o ministro da Justiça de Sarney, Fernando Lyra, anunciar: “Está extinta a censura no Brasil.”
E declarar que o documento que ele recebera, elaborado por Chico Buarque, Antônio Houaiss, Ziraldo, Dias Gomes, entre outros, era a “Lei Áurea da Inteligência Brasileira”. Foi uma festa da cultura, um momento de regozijo como não acontecia havia 21 anos. Portanto, pode-se imaginar a reação, meses depois, à interdição do filme. O novo presidente tinha como álibi o fato de que fora pressionado pela ala mais conservadora da Igreja. Mas, e o rei?
Em artigo na “Folha de S.Paulo’’ de 2 de março de 1986, Caetano Veloso falou da “burrice de Roberto Carlos” e acrescentou que o telegrama saudando a censura a “Je vous salue, Marie’’ (em português, “Eu vos saúdo, Maria”, ou “Ave Maria”) “envergonha nossa classe”. Daí a conclamação: “Vamos manter uma atitude de repúdio ao veto e de desprezo aos hipócritas e pusilânimes que o apoiam.”
O episódio ajuda a desmontar alguns mitos régios, como o de que o rei só foi favorável à proibição das biografias não autorizadas para preservar sua privacidade. Há 28 anos, ele estava preocupado também com a privacidade da Virgem Maria, mesmo sabendo que o filme de Godard era uma obra de ficção.
O outro mito é o da imagem de um artista afastado do poder, trancado numa torre de marfim, sem sujar as mãos com a impureza da política. O novo livro de Paulo César de Araújo (*), autor da biografia proibida, mostra que ele vai aonde lhe convém, ou seja, aonde pode defender a censura: Senado, Câmara, Judiciário e até ao Planalto, como fez recentemente ao ser recebido pela presidente Dilma, que, segundo a imprensa, ficou “visivelmente emocionada” por abraçá-lo.
(*) Paulo Cesar de Araújo “O réu e o rei — minha história com Roberto Carlos, em detalhes.”