Parte I
O divisor de águas
Por Antonio Siqueira
No final dos anos 1960, quando o Brasil padecia de um enorme retrocesso político-social sob a mão de chumbo da ditadura dos monstruosos generais e o resto do mundo experimentava mudanças profundas provocadas pela radicalização dos movimentos jovens, um grupo de rapazes de extremo talento e notável criatividade reunia-se para tocar, compor, cantar, trocar experiências musicais e conversar sobre política e arte. Entre varias paixões, uma em comum: Os Beatles. Essa turma que se reunia numa esquina do bairro de Santa Tereza, na capital mineira e, volta e meia, corria da policia para o aconchego materno de Dona Maricota, se une em torno de um mesmo ideal e funda o Clube da Esquina. A matriarca amorosa da maior fábrica de gênios da Grande BH, a Família Borges, e personagem inesquecível de uma era, não imaginava que este “Clube” de garotos intrépidos se transformaria em movimento cultural em toda Belo Horizonte, se espalharia pelo país e, a partir de 1972, projetar-se-iam também para o mundo.
Em meados da década de 1960, enquanto a violência racial e o, moralmente inaceitável, conflito do Vietnã agitavam os Estados Unidos, surgiram uma concentração de fenômenos que os analistas sociais passaram a chamar de “Contracultura”; condição sine qua non para que a juventude de classe média começasse a postular idéias e a conduzir-se de modo totalmente oposto aos valores até então apregoados por uma sociedade hipócrita, moralista, racista, consumista e tecnocrata. Logo ganharia força na Europa, principalmente no movimento estudantil Frances com a cultura ocidental sendo amplamente questionada em seus valores políticos e morais, numa espécie de “guerrilha cultural” que contaminava os povos. Assim como no Brasil, há séculos repleto de injustiças sociais e pobreza infinita de ideologias e recursos próprios. Esse movimento de suma importância não tardou a persuadir mentes notáveis de uma juventude que florescia e no surgimento de um Tropicalismo precocemente silenciado e que não teve chance e tampouco tempo para se estruturar e se organizar de modo que pudesse constituir um movimento ou uma “escola cultural” mais sólida...A esperança de um sonho, de esplendor sócio-cultural que nunca veio. Foi nesse caldeirão de influencias e ideologicamente revolucionário que, propositalmente ou não, porém, magnificamente espontâneo, surgiria o Clube da Esquina.
Por obra da divina engenharia dos anjos que amam e protegem a Arte como um todo, Milton Nascimento seria amigo da mais tenra infância de outra criança não menos prodigiosa e que amava musica, Wagner Tiso; com quem viajaria o interior mineiro fazendo e levando musica aonde o povo estaria, sedento de novidades. Milton e Wagner atravessariam as fronteiras do sudeste, Milton faria a sua Travessia e ganharia o mundo com Tiso. Mais tarde, o Bituca seria acolhido pela família dos irmãos Lô, Marcio, Telo, Solange, Marilton e todo o musical Clã dos Borges. Começaria ali “uma linda história de amor e música”, como diria “seu” Salomão, pai como poucos e genitor desta “academia de arte fraternal”.
A partir do contato de foro íntimo com a beatleamania e o Rock Progressivo, da cultura popular, das modas mineiras à religiosidade de belíssimas peças barrocas, surgiria uma musica isenta de rótulos ou gêneros, mas que teria um impacto profundo na Musica Popular Brasileira Contemporânea. Além das composições repletas de harmonia e vocais elaborados e da sofisticação de arranjos inesquecíveis, outro fato relevante é a facilidade com que esses músicos tinham de tocar juntos, um tocava no disco do outro... Retribuíam a participação e assim seguiu-se por duas décadas. Ao mesmo tempo em que se constituiu num movimento, esse Clube também era um grupo, o que confunde ainda muita gente. É bastante comum ouvir por aí coisas do tipo: “Beto Guedes? Ah sim... Aquele cara que tocou naquela banda: O Clube da Esquina?”...Não é pra menos: Em 1972, exatamente há 40 anos, com mil idéias na cabeça e o sonho de uma musica que abrangesse sofisticação, beleza harmônica, ideologia e revolução cultural, Milton Nascimento, Lô Borges, Marcio Borges, Beto Guedes (considerado por alguns o mineiro mais Clube da Esquina da MPB), Fernando Brant, Toninho Horta, Nivaldo Ornelas, Helvius Villela, Elmir Deodato e Tavito dividiriam as águas da MPB Contemporânea e gravariam o que seria um dos álbuns mais aclamados da história do Planeta Musica...O grande divisor de águas da MPB Moderna.
Lô Borges e Milton Nascimento cantando juntos Clube da Esquina nº2 - 1997
O divisor de águas
Por Antonio Siqueira
Apresentação do Clube da Esquina na TV - TV cultura 1973 |
No final dos anos 1960, quando o Brasil padecia de um enorme retrocesso político-social sob a mão de chumbo da ditadura dos monstruosos generais e o resto do mundo experimentava mudanças profundas provocadas pela radicalização dos movimentos jovens, um grupo de rapazes de extremo talento e notável criatividade reunia-se para tocar, compor, cantar, trocar experiências musicais e conversar sobre política e arte. Entre varias paixões, uma em comum: Os Beatles. Essa turma que se reunia numa esquina do bairro de Santa Tereza, na capital mineira e, volta e meia, corria da policia para o aconchego materno de Dona Maricota, se une em torno de um mesmo ideal e funda o Clube da Esquina. A matriarca amorosa da maior fábrica de gênios da Grande BH, a Família Borges, e personagem inesquecível de uma era, não imaginava que este “Clube” de garotos intrépidos se transformaria em movimento cultural em toda Belo Horizonte, se espalharia pelo país e, a partir de 1972, projetar-se-iam também para o mundo.
Em meados da década de 1960, enquanto a violência racial e o, moralmente inaceitável, conflito do Vietnã agitavam os Estados Unidos, surgiram uma concentração de fenômenos que os analistas sociais passaram a chamar de “Contracultura”; condição sine qua non para que a juventude de classe média começasse a postular idéias e a conduzir-se de modo totalmente oposto aos valores até então apregoados por uma sociedade hipócrita, moralista, racista, consumista e tecnocrata. Logo ganharia força na Europa, principalmente no movimento estudantil Frances com a cultura ocidental sendo amplamente questionada em seus valores políticos e morais, numa espécie de “guerrilha cultural” que contaminava os povos. Assim como no Brasil, há séculos repleto de injustiças sociais e pobreza infinita de ideologias e recursos próprios. Esse movimento de suma importância não tardou a persuadir mentes notáveis de uma juventude que florescia e no surgimento de um Tropicalismo precocemente silenciado e que não teve chance e tampouco tempo para se estruturar e se organizar de modo que pudesse constituir um movimento ou uma “escola cultural” mais sólida...A esperança de um sonho, de esplendor sócio-cultural que nunca veio. Foi nesse caldeirão de influencias e ideologicamente revolucionário que, propositalmente ou não, porém, magnificamente espontâneo, surgiria o Clube da Esquina.
Bus music |
A partir do contato de foro íntimo com a beatleamania e o Rock Progressivo, da cultura popular, das modas mineiras à religiosidade de belíssimas peças barrocas, surgiria uma musica isenta de rótulos ou gêneros, mas que teria um impacto profundo na Musica Popular Brasileira Contemporânea. Além das composições repletas de harmonia e vocais elaborados e da sofisticação de arranjos inesquecíveis, outro fato relevante é a facilidade com que esses músicos tinham de tocar juntos, um tocava no disco do outro... Retribuíam a participação e assim seguiu-se por duas décadas. Ao mesmo tempo em que se constituiu num movimento, esse Clube também era um grupo, o que confunde ainda muita gente. É bastante comum ouvir por aí coisas do tipo: “Beto Guedes? Ah sim... Aquele cara que tocou naquela banda: O Clube da Esquina?”...Não é pra menos: Em 1972, exatamente há 40 anos, com mil idéias na cabeça e o sonho de uma musica que abrangesse sofisticação, beleza harmônica, ideologia e revolução cultural, Milton Nascimento, Lô Borges, Marcio Borges, Beto Guedes (considerado por alguns o mineiro mais Clube da Esquina da MPB), Fernando Brant, Toninho Horta, Nivaldo Ornelas, Helvius Villela, Elmir Deodato e Tavito dividiriam as águas da MPB Contemporânea e gravariam o que seria um dos álbuns mais aclamados da história do Planeta Musica...O grande divisor de águas da MPB Moderna.
Lô Borges e Milton Nascimento cantando juntos Clube da Esquina nº2 - 1997
* Antonio Siqueira é cronista, articulista, musico e pesquisador musical