quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A Genialidade sai de cena: Paco de Lucía R.I.P 1947 ✰ - 2014 ✞


Por Antonio Siqueira




Quase todas as grandes famílias musicais têm heróis assim. Alguém que sem perder o contato com a raiz fundadora de determinada tipologia musical é capaz de expandir o seu leque de influências, acabando por universalizar essa linguagem.

O flamenco teve a sorte de ter o guitarrista, compositor e produtor Paco de Lucía, que morreu esta quarta-feira, aos 66 anos, de enfarte cardíaco. Estava na praia com os filhos, em Cancún, no México, onde tinha uma casa, quando se sentiu indisposto, vindo a morrer a caminho do hospital.

A cultura espanhola perdeu um dos seus pilares. Ele foi esse músico que, sem perder o contato com a essência, foi capaz de mesclar o flamenco com outras sonoridades, principalmente com o jazz ou a bossa nova, embora os blues, a salsa, a música hindu ou a música árabe também o tenham marcado. Mas não foi apenas porque revestiu exteriormente o flamenco que se tornou imortal. Nunca é apenas por isso. Paco foi o maior o virtuoso de seu tempo. A genialidade sai de cena e a sonoridade pede licença. Ouçamos como à uma prece. -.-






Paco de Lucia - Live at the Montreux Jazz Festival 2012








segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Um Conto de Lidi Satier



@arte_Arte_Vital_Blog
















 



     "Certa feita, havia uma menininha e um outono. Com todo o amor e toda a expectativa, ela preparava sua taperinha e seu coração para a visita que não tardaria. Mesmo sem ter forças e com toda a gente a achar-lhe graça, cortou a lenha com seus braços tão fraquinhos e levou-a para seu lar com o triunfo estampado no rosto. Tinha de aquecer a casa, assar o pão feito com o trigo de seu quintal e fritar seus únicos dois peixinhos. Não, a visita não tardaria.

      E ele veio. Aqueceu-se ao fogo, deu graças pelo pão e pelos peixes. Ela o observava comer e sequer tocava a comida. Estava agradecida demais aos deuses por ele haver voltado.
Ele fez da menina sua morada, sua lareira, seu conforto e sua amada.

     Mas o outono passou, os frutos do outono passaram, o inverno chegou e ele deu de sonhar com ir a campos mais férteis. Tapera e menina sardenta em trapinhos não são românticos quando o frio bate e a vida tem pressa. Ele não fazia menção de ir, mas se sentia preso. Ela se ressentia quando via em seus olhos as cachoeiras, os frutos do verão, a vida no esplendor de um sonho reluzente. Ela pediu pra que saísse. Ele saiu sem sequer perguntar o porquê de ser convidado a se retirar. Ambos sabiam o porquê.

     Ela gritou de dentro da casa, já com a porta fechada, para que nunca mais lhe mandasse notícias. Era melhor assim.

     Ainda hoje ela vive em sua taperinha. Nunca mais plantou sequer uma baga de trigo. Não faz mais pães e tem horror a peixes. Vaga nas cercanias à noite, em busca de algum alimento e de olhar as janelas iluminadas das casas felizes. As gentes da vila dizem que ela fez um pacto com a porta da taperinha: só a voltaria a abrir para alguém que batesse por um ano inteiro, de um outono a outro. A porta segue trancada por uma corrente grossa e um cadeado enferrujado."

Por Lidi Satier





"EM ALGUM LUGAR"
(Tuca Oliveira/ Vanessa Pinheiro/ Lidi Satier)

Participação especial: Cláudio Venturini (14 Bis)
Direção e edição: Bruno Fioravanti e Michelli Marques
Assessoria de moda e estilo: Vivian Lim

*Lidi Satier é cantora, compositora, multi-instrumentista, poetisa, jornalista e artesã. Lançou em 2012 o excelente CD "Teia", seu primeiro e primoroso trabalho autoral. Atualmente no Brasil, Lidi prepara novos voos sonoros e com a poesia e beleza que são o cartão de visita de sua obra, que alias,é de estremo bom gosto.



®Todos os direitos são reservados aos autores das respectivas obras


sábado, 15 de fevereiro de 2014

Gullar para os íntimos



        Ferreira Gullar
, pseudônimo do maranhense José Ribamar Ferreira, jornalista, crítico de arte, teatrólogo, biógrafo, tradutor, memorialista, ensaísta e poeta é um dos fundadores do neoconcretismo, entra para a história da literatura como um dos maiores expoentes e influenciadores de toda uma geração de artistas dos mais diversos segmentos das artes brasileiras.


@arte:antonio_siqueira

      Segundo alguns professores de literatura, o poema “Traduzir-se” reflete a profissão de fé de Gullar no exercício de uma poética em um discurso que só abrange a sociedade, porque investiga o mais fundo de sua subjetividade. O poeta se revela contido e grave durante o que vai expondo.

      Em quase todos os poemas de Gullar é possível traçar dois paradigmas, que se resumem em antinomias existenciais, reveladoras da missão do poeta em seu desdobramento de sujeito poético e sujeito histórico. Pelo esquema de pontuação adotado, pode-se obter uma alegoria da relação entre o eu-indivíduo e o eu-coletivo.



TRADUZIR-SE
Ferreira Gullar

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?


Música para ouvidos absolutamente poéticos, do casamento também perfeito da poesia literária com a música do cancioneiro popular brasileiro.





segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

É preciso coragem para encarar o destino de outras viagens musicais

   

 Por Antonio Siqueira




Nonato Buzar:@arte_antoniosiqueira
Ele compôs músicas para trilhas sonoras de novelas da TV Globo, com destaque para 'Irmãos Coragem' (com Paulinho Tapajós), tema de abertura da novela homônima, 'Assim na terra como no céu' (com Roberto Menescal e Paulinho Tapajós), da novela homônima, 'Verão vermelho', tema de abertura da novela homônima, e 'O homem que deve morrer (com Torquato Neto), tema de abertura da novela homônima, além de outras canções para as novelas 'O cafona', 'Minha doce namorada' e 'Anjo mau'. Ainda para a TV Globo, trabalhou nas trilhas sonoras dos programas 'Ch'ico City, 'Brasil pandeiro' e 'Saudade não tem idade'. Para o cinema, compôs músicas para 'O donzelo', de Stefan Wolff, e 'Aventuras de um detetive português', de Stefan Wolff e Raul Solnado. Teve composições gravadas por Maysa, Adriana, Elis Regina, Alcione, Elizeth Cardoso, João Nogueira, Nana Caymmi, Rosinha de Valença, Luiz Gonzaga, Cauby Peixoto, MPB-4, Jair Rodrigues, Wilson Simonal, Sílvio César, Nélson Gonçalves, Ivan Lins e Milton Nascimento, entre outros. O compositor Nonato Buzar partiu para outras viagens musicais.

     Buzar partiu para compôr a trilha sonora do céu dos grandes musicistas. Ele deixa um livro de crônicas, "Planeta Neus", ainda a ser publicado, dois filhos (Maria Morena e Francisco Eduardo) e um neto, Arthur, de quatro meses.




Peri Ribeiro, Ricardo Cravo Albim e Nonato Buzar

















     

      Faleceu ontem, aos 81 anos, de falência múltipla de órgãos depois de passar 15 dias internado devido a uma pneumonia. Fiquei sabendo por um amigo não menos celebre. Mano Melo, escritor e poeta carioca descreveu um sonho intuitivo: "Estava dormindo agora à tarde, e sonhei que estava indo à praia, junto com dois amigos. As ondas estavam muito fortes. Então em dado momento sentíamos a falta de um dos amigos, não se especificava quem fosse. Ficávamos pensando se a onda forte o havia levado. Acordei muito preocupado cm este sonho ruim. Então, de imediato, o telefone tocou e era o Popó, um amigo maranhense me perguntando se eu sabia do Nonato Buzar, porque ele havia recebido a triste notícia, queria confirmar comigo. Estou muito abalado." Contou Mano e sua página em uma Rede Social.


A música e a literatura brasileira estão de enlutadas e mais pobres em termos de criação. É o ciclo do tempo.


Nonato Buzar - "Irmãos Coragem"







sábado, 1 de fevereiro de 2014

Um poema ainda existe é foi escrito para quem se ama...


A Palavra Mulher

    Por Antonio Siqueira

@arte:antoniosiqueira
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               










Passaria a vida inteira e mais outras e outras vidas apenas te olhando,
Minha alma tem dona perpétua,
Luz de velas
E flores na varanda...As flores que te trago dia após dia

O sol não é poente,
Minha lua não é mais minguante
As estrelas brilham sobre a minha cabeça,
Os pássaros cantam, voam, acasalam e são felizes...

Longe da arrogância, e da violência
Do ar impuro do machismo e preconceito,
Do sistema autoritário deste domínio enojado.
Corro de tudo isso, me faz mal, causa-me repugnância.

Eu me sinto bem nos braços da delicadeza,
Me enlouqueço sem pudor a este fiel sentimento.
Amo-te mulher,
Pois meu maior refúgio é estar contigo...


*Dedicado à Márcia Cristina que gera uma revolução a cada minuto em meu peito.


Obrigado, Bruno R Adami, por emprestar-nos seu talento e sua linda criação para compormos este ensaio: