terça-feira, 23 de outubro de 2012

Um sonho real que mudou a história do mundo:



De Minas para a Lua  
Por Antônio Siqueira




O antológico primeiro voo de um homem














       

        Os estadunidenses vão discordar por toda a eternidade, pois a arrogância e a prepotência dos “irmãos do Norte” não os permite filtrar esta realidade mais que comprovada. Contudo, afirmar que o “pai da aviação” é um mineiro de Palmira não é mera patriotada. Assinam em baixo centenas de autoridades e curiosos presentes ao Campo de Bagalette, em Paris, no dia 23 de outubro de 1906, quando o 14-Bis voou por mais de 50 metros e garantiu a seu inventor, Alberto Santos Dumont, um prêmio e um lugar na história.

         Em contraste com os irmãos Wilbur e Orville Wright, que afirmaram ter voado em 1903 com um biplano, o avião do brasileiro foi o primeiro aparelho mais pesado que o ar a sair do chão com recursos próprios, enquanto o dos estadunidenses, conforme eles próprios reconheceram, foi impulsionado por uma catapulta. Mas a polêmica, provavelmente, jamais terá fim: as brechas deixadas pela historia (esta ciência longe de ser exata) são, especialmente, o que torna o seu estudo fascinante.

         Imperdoável seria permitir que a polêmica tirasse o brilho desse brasileiro nascido em 20 de julho de 1873. Seu pai, Henrique Dumont, era um rico plantador de café. Palmira, mais tarde rebatizada com o nome do seu filho mais ilustre, na época fazia parte de um Brasil pouco propício ao surgimento de inventores, apesar da paixão do Imperador Dom Pedro II pela ciência: era um país essencialmente agrário, com suas elites voltadas para as práticas bacharelescas. ”Se o filho de um fazendeiro sonhasse em se transformar em aeronauta, cometeria um verdadeiro pecado social”, afirmou Santos Dumont, mais tarde, já na França, aonde chegou em 1891 para desenvolver seus principais projetos. Na ótima formação obtida com professores e cientistas franceses - complementando o estudo em bons colégios de São Paulo, quando a família já morava em Ribeirão Preto - incluiu-se a leitura das obras de Julio Verne, o escritor das aventuras impossíveis, que lhe deu, literalmente, asas à imaginação.

         Toda época tem o seu centro de convergência. Se hoje é Nova Iorque e um dia foi Roma, no final do século 19, não havia melhor lugar para ficar famoso do que Paris. Foi lá que aquele brasileiro, de estatura baixa e franzino, que gostava de se vestir bem e falar pouco, começou a conquistar os céus. Primeiro com balões, depois com os dirigíveis e, por fim, com os aeroplanos.


O voo do Dirigível em Paris
  Após estudar os automóveis, Santos Dumont construiu os primeiros veículos aéreos de combustão e chegou a escapar da morte algumas vezes. Em agosto de 1901, o dirigível nº 5 bateu em um hotel e ele ficou preso nas cordas, na ocasião, foi salvo pelos bombeiros parisienses.
         Foi uma prévia do que aconteceria mais tarde com alguns pioneiros da aviação num período em que acidentes de avião, mais ou menos graves, se tornariam comuns. Antes que seu nome figurasse no obituário de algum matutino francês, era preciso que o inventor brasileiro, se lançasse, enfim, a um grande desafio e a oportunidade surgiu com o Prêmio Deustch.

         É curioso que muita gente, ao falar sobre Santos Dumont, mencione apenas dois fatos: o voo do 14-Bis e o suicídio. O primeiro, grande feito, porém, o tornou famoso, valendo-lhe o reconhecimento e os elogios de destacadas personalidades mundiais como o inventor Thomas Alva Edson. A façanha ocorreu em 1901, quando Santos Dumont, saindo campo de Saint-Cloud, contornou a Torre Eiffel com seu dirigível nº 6 e retornou em 30 segundos. Era a primeira pessoa a dirigir um veículo aéreo num percurso previamente determinado - um avanço tão importante para a aviação quanto seria para a indústria automobilística, a invenção do arranque automático em 1911, invenção essa, que abriria caminho para a produção de carros em massa.

        Aclamado pela multidão que acompanhou o vôo, Santos Dumont recebeu o prêmio de 100 mil francos instituído por Deutsch de la Meurthe, o maior importador de petróleo da França na época. Assim como nunca patenteou seus inventos, inclusive, dando liberdade a qualquer um para copiá-los e melhor desenvolvê-los, Santos Dumont preferiu dividir o prêmio entre os mecânicos que trabalhavam em seus projetos e os desempregados de Paris.

      O 14-Bis recebeu esta nomenclatura, porque, nos testes iniciais, o aeroplano era lançado a partir do dirigível nº 14 por repetidas vezes, daí a expressão "Bis". Até então, Santos Dumont aterrissava com seus estranhos dirigíveis nas ruas de Paris, levava passageiros, inclusive crianças, e ia aperfeiçoando os seus modelos. Num desses passeios, em 1903, a jovem cubana Aída Costa - que muitos acreditam ter tido um romance com o brasileiro -, tornou-se a primeira mulher a pilotar um veiculo aéreo.

      Enquanto isso, no Brasil, as pessoas fugiam da vacina e o avanço científico encontrava pouco estímulo numa economia exportadora de matérias-primas. Pelo badalado vôo do 14-Bis, realizado em 23 outubro de 1906, Santos Dumont recebeu o Prêmio Archdeacon, de 3 mil francos - curiosamente, valor menor do que embolsara pelo vôo com dirigível nº 6. No mês seguinte, em 12 novembro, ele voaria ainda mais longe, percorrendo além de 200 metros no mesmo campo de Bagatelle e conquistando o prêmio de 1.500 francos oferecido pelo Aeroclube da França.


Os primeiros aeroplanos: Projeto muito louco!
  Alguns dos maiores nomes da aviação estavam na disputa, como os franceses Voisin e Blériot, que, com problemas mecânicos na ocasião, tiveram que aguardar mais alguns anos para escreverem seus nomes na história da aviação. Os ausentes do encontro foram os irmãos Wrigth, que, ao que tudo indica, “amarelaram”. Isso fez que com que pairassem  no ar as mais fortes suspeitas sobre a veracidade do vôo que afirmam ter feito em 1903, na Carolina Norte, vôo este que, os estadunidenses consideram o primeiro da história - mas que não foi testemunhado por nenhuma alma, a não ser a dos próprios interessados, Wilbur e Orville.

      Santos Dumont ainda construiria no final de 1907, o modelo Demoiselle, uma grande sensação por suas pequenas dimensões e fácil dirigibilidade. Em 1910, no entanto, o brasileiro abandonaria de vez os projetos da aviação - apenas um ano depois da primeira feira de produtos aeronáuticos do mundo, em Reims, na França. A esclerose múltipla, doença que o acompanhava havia alguns anos, estava se manifestando fortemente. E a partir de então, Santos Dumont se dedicaria - entre uma ou outra internação -, aos estudos astronômicos.

      Recebeu homenagens diversas, inclusive, nos monumentos de Saint-Cloud e em Bagatelle, palcos parisienses de suas maiores façanhas. Fez algumas viagens ao Brasil, até a volta definitiva em 1928. Dois anos antes, tinha pedido em casamento a filha de Gabriel Voisin, mas o pai vetou suas pretensões, devido à diferença de idade. O brasileiro contava com 53 anos e jovem Janine Voisin apenas 17. Atualmente, Janine está viva e reside no interior da França com seus 96 anos.

      À medida que o século 20 firmava-se, intensificava uma escalada de violência. Santos Dumont se recolhia a seus estudos e aos discursos pela paz, além de se dedicar a invenções revolucionárias para a época, como um original chuveiro de água aquecida (graças ao uso de álcool), instalado na excêntrica casa que construiu em Petrópolis - que chamava de “A Encantada” -, cujos degraus foram planejados para que o visitante só pudesse entrar com o pé direito. Os aviões, já então transformados em eficientes armas de guerra, tinham criado mitos, como o alemão Manfred Von Richtofen, o Barão Vermelho, vitorioso combatente na Primeira Guerra Mundial. No Brasil, aviões foram utilizados na Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo. No dia 23 de junho daquele ano, aos 59 anos, Santos Dumont se enforcou com uma gravata num hotel em Guarujá, no litoral paulista. Se sua morte foi motivada pelo uso bélico dos aviões (como foi popularmente disseminado) ou se foi simplesmente em conseqüência de sua terrível doença, nunca se soube com certeza.

   
Santos Dumont
No inicio do século, ele chegara a autorizar que seus balões fossem usados para fins militares pela França, mas com certeza, não imaginava o poder de destruição que seu invento alcançaria pouco tempo depois. Ele chegou a presenciar um desses violentos bombardeios na sua fazenda em São Paulo e, segundo pesquisadores, teve uma crise violenta, se sentindo ao mesmo tempo, culpado e traído. Dumont morreu antes de ouvir falar em nomes como Spitfire, kamikazes, Enola GayB52U2 ou os mais recentes modelos de aeronaves equipadas com recursos diversos, como o da tecnologia
Stealth (que as tornam invisíveis a radares convencionais); porém, todos, transformados em incrementadas “máquinas de fazer morte”.


       

      Em homenagem e em reconhecimento ao seu trabalho para a aviação mundial, desde 1976, o nome deste genial pesquisador e inventor mineiro batiza uma das crateras da Lua.



   *Texto publicado originalmente no Jornal Via Fanzine em 21 de outubro de 2005.

                                               
      Todos os direitos reservados  ao autor da obra ®



5 comentários:

Anônimo disse...

bom ler textos fora de series como este. santos dumont era um semi-deus.

bvt

Anônimo disse...

O artigo é maravilhoso e as fotos... Parecem ser de um livro que encontrei aqui em SP.

Martha Sandroni

Dayana disse...

Aí você traz de volta o seu texto campeão. Esse texto foi premiadíssimo em 2006, se não me falha a memória. E deveria constar em livros didáticos. Muito bem revisitado, Antonio. Espero que o tenha editado e registrado.
Valeu!

Day

Anônimo disse...

Brasil de memória curta, ontem. Alzheimer hoje. Americanos do Norte patriotas, nacionalistas.
Nós do Sul, o que fizemos e fazemos para que este gênio, seja lembrado, não só como o pai da aviação, mas, um gênio? Ainda bem que se pode contar com a lembrança e este texto premiado, em boa hora reeditado, faz a sua parte. Parabéns!

Osvaldir

Antonio Siqueira disse...

Obrigado pelo comentário oportuno, Mestre!
Foi lembrada por Dayana a importância deste artigo, em comentário acima também.
Dayana mora há 15 anos em Berlim e já me revelou dia desses que Santos Dumont é idolatrado na Alemanha. É triste constatar, não é mesmo?
Obrigado, queridos!

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