segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Setenta anos de Milton Nascimento



Os Mil Tons da Música do Mundo
Por Antonio Siqueira

Milton: Caricaturado por Head




















 “... Vou achar um novo amor
Vou morrer só quando for
A jogar o meu braço no mundo
Fazer meu outubro de homem
Matar com amor essa dor. Vou fazer desse chão minha vida...” 

     

     Chegar aos setenta anos de idade e, ao mesmo tempo, completar cinquenta anos de uma carreira musical, com toda certeza é um marco para qualquer artista. Apesar do lixo que nos empurram todos os dias, 90% de todo esse rejeito, volta para onde veio, isto é: para o nada! Não é fácil manter-se vivo no mercado da música brasileira. Milton Nascimento faz parte de um time seleto de notáveis da primeira arte contemporânea. Uma turma especial que completa setenta anos de idade física e, a maioria, meio século de carreira artística bem sucedida.

      Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola... Gente muito ilustre, compositores da alma e da cultura de um povo que nos anos 1960, passou por um questionamento cruel ante o momento conturbado desta década de incertezas: O engajamento ou a cultura de massa. O golpe de 1964 decretou uma espécie de “guerra de valores civis” ou “guerra civil cultural”. Enquanto uma camada densa da sociedade apoiava a revolução dos tiranossauros milicos de carreira, consumindo lixo cultural nacional e “enlatado”, outra fina camada, dentro deste contexto, empunhava uma intensa militância política. Uma parte do movimento bossanovista evoluiu rapidamente em direção da chamada “canção de protesto”, os militantes do antigo CPC (Centro Popular de Cultura) encenavam peças de teatro em portas de fábricas, favelas e sindicatos, publicando cadernos de poesia vendidos a preços populares, trabalhando em contato direto com as massas. Os festivais da canção eram como uma espécie de termômetro da música brasileira e foi no II Festival Internacional da Canção de 1967 que Milton Nascimento, este cidadão nascido no Rio de Janeiro em 26 de outubro de 1942, começou a realizar sua “Travessia” épica. Com um segundo lugar com sabor moral de primeiro, defendendo um dos maiores clássicos da MPB Contemporânea, Milton cantou para o mundo sua composição em parceria com o, na época estudante e notável poeta, Fernando Brant para um Maracanãzinho transbordando gente e emoção, em um uníssono surreal e raro.

   
      Milton transcendeu o anonimato como cantor gravando um LP no Rio de Janeiro em 1966. EM 1967, segundo o trecho da contracapa do disco Milton e Tamba Trio: Milton Nascimento entrou no estúdio acompanhado pelo Tamba Trio, no Rio de Janeiro, em 1967, para gravar seu primeiro disco. O encontro de Milton & Tamba com os arranjos de Luizinho Eça fazem de Travessia um álbum definitivo e eternamente moderno. E ganhou o mundo, o Bituca (como é carinhosamente chamado pelos irmãos de estrada)! Antes de “Travessia” a sua “Canção do Sal” já ecoava por ouvidos exigentes na voz de Elis Regina. Elis foi quem, de longe, melhor interpretou as canções de Milton. Parecia haver uma sintonia perfeita entre a harmonia e os acordes de suas criações com a voz e o talento explosivos da “Pimentinha”; era a “Mão e a Luva”. Certa feita, Elis, revelou em entrevista que até um “bom dia” de Milton “humilhava” e que “Se Deus quisesse nos falar, falaria pela voz de Milton Nascimento”. Exagero? Não. Milton canta e canta lindo ao extremo. O FIC de 1967 serviu apenas para adiantar o que viria pela frente, um sucesso sucedendo o outro. “Gira girou” com Márcio Borges, “Outubro” com Brant... “Maria Minha Fé”... Milton desfilava um rosário de maravilhas até ter sido catapultado para os EUA. Lá gravou o mesmo álbum, só que em inglês e com arranjos e orquestrações USA. Já em 1969, o terceiro álbum, Milton Nascimento, traria uma prévia, um breve ensaio do que seria o “Clube da Esquina”. Com composições de Nelson Ângelo, Toninho Horta, “o Mar do meu chão”, linda parceria de Dori Caymmi e Nelso Mottae emplacaria clássicos como “Sentinela” e “Beco do Mota”, ambas as parcerias com Fernando Brant. A parceria com o notável “Som Imaginário” do eterno companheiro de estradas, Wagner Tiso, foi um dos marcos de sua carreira. O LP “MILTON” é uma obra-prima roqueira e cancioneira ao mesmo tempo e também viria apresentar as composições de um adolescente de 16 anos chamado Salomão Borges Filho, o Lô; menino que já impressionava pela originalidade de suas harmonias trabalhadas e com sua parceria perfeita com o irmão Márcio. Era a prévia para o álbum que viria ser o divisor de águas da MPB Moderna e revolucionaria o jeito de se fazer musica por aqui. A Bossa Nova dava as cartas e também serviu de inspiração para o que estava por vir.



Foto: Mario Thompson



      Voltando ao finzinho dos anos 1960, na pensão aonde foi morar na capital, no Edifício Levy, Milton conheceu os irmãos Borges, Marilton, e Márcio. Foi num desses bares em troca de pão e escondidos do Juizado de menores que, ao lado dos irmãos, Borges formou, em 1969, o importante conjunto musical Clube da Esquina, Meca da MPB da década de 70. Dos encontros no bar da esquina das Ruas Divinópolis com Paraisópolis surgiram os acordes e letras de canções como Cravo e Canela, Alunar, Para Lennon e McCartney, Trem azul, Nada será como antes, Estrelas, São Vicente e Cais. Aos meninos fãs do The Beatles e do The Platters vieram juntar-sea eles, Nelson Angelo,  Helvius Villela, Emir Deodato, Beto Guedes, Fernando Brant, Robertinho Silva, Toninho Horta, Tavito, entre outros notáveis. Em 1972 a EMI gravou o primeiro LP, Clube da esquina, que era duplo e apresentava um grupo de jovens que chamou a atenção pelas composições engajadas, a miscelânea de sons e riqueza poética. O Clube da esquina escreveu um dos mais importantes capítulos da história da MPB. Chamou a atenção dos músicos brasileiros e estrangeiros, dada a sua ousadia artística e criatividade inovadora. Quando de seu lançamento, a crítica especializada não teve a capacidade de entender o que estava acontecendo e fez comentários severos a respeito da obra. Pouco tempo depois o disco teve reconhecimento internacional e ganhou o prestígio merecido aqui no Brasil também. O álbum virou disco de cabeceira de músicos no mundo inteiro, tornando-se referência estilística e estética da música contemporânea, e levou Milton Nascimento a ser convidado por Wayne Shorter a gravar um disco com ele, em 1975. O disco chamava-se Native Dancer e serviu para projetar Milton de uma vez por todas no mercado norte-americano.

   
      Seis anos depois desta epopeia revolucionária, na qual reuniu seus principais amigos e músicos da época e revelou Lô Borges, então um menino de 18 anos, como compositor de raro talento, Milton resolveu reviver aquela atmosfera mágica de criação e agregação de outros talentos. Agora teria de convocar mais gente: Tavinho Moura, Flávio Venturini, Vermelho, Joyce, Gonzaguinha, Chico Buarque, Francis Hime e Elis Regina fariam parte da Locomotiva Musical de “Clube da Esquina nº2”. Que ainda contou com artistas uruguaios, chilenos e uma nata de latino americanos da pesada. Outra obra-prima, outro marco histórico.



Foto: Mario Thompson



      Milton Nascimento difere dos outros artistas contemporâneos a sua trajetória; ela canta a terra, a raiz, a folha e o sal da terra, em um mosaico de temas e segmentos que ninguém possui. Enquanto os pós-tropicalistas e alguns bossanovistas perderam a mão de suas criações com o fim dos anos de chumbo e a abertura democrática, Milton seguiu seu caminho e foi, literalmente, onde o povo estava. Sua discografia é cristalina, unanime coesa e belíssima, onde se encontram épicos como “Minas” - 1975, “Geraes” – 1976, “Sentinela” – 1981, “Caçador de Mim” – 1982, “Ãnimã” – 1983, “Ao Vivo” – 1983, entre outros álbuns magníficos. Sua voz, um oceano de variações rítmicas e tonalidades que podem interpretar o mais ousado dos rocks a mais complexa opereta; Mil tons literalmente falando; Um oceano de voz orgânica, um monstro sagrado da canção popular.



      Seu legado se estende por uma discografia de 36 álbuns e uma dezena de projetos maravilhosos. Um deles foi o “Grande Circo Místico”.  Milton Nascimento integrou o grupo seleto de intérpretes da MPB que viajaram o país durante dois anos apresentando o projeto, um dos maiores e mais completos espetáculos teatrais já apresentados, para uma plateia de mais de 200 mil pessoas. Milton interpretou a canção Beatriz, composta pela dupla Chico Buarque e Edu Lobo. O espetáculo conta a história de amor entre um aristocrata e uma acrobata e a saga da família austríaca proprietária do Grande Circo Knie, que vagava pelo mundo nas primeiras décadas do século. Outra obra-prima dos musicais foi “Missa dos Quilombos” com textos de D.Pedro Casaldaliga e Pedro Tierra e Música de Milton Nascimento com  participação brilhante de Flávio Venturini. Não menos belas que a mais recente “Tambores de Minas”, onde Milton carrega para o palco dezenas de crianças. O estilo musical de Milton pode ser classificado como Música Popular Brasileira, surgido de um desdobramento do movimento da bossa nova, com fortes influências desta, do jazz, do jazz-rock e de grandes expoentes do rock, como os Beatles, Bob Dylan e com pitadas tanto da música hispano-americana de Mercedes Sosa, Violeta Parra e Victor Jara, quanto dos sons caribenhos de Pablo Milanes e Silvio Rodríguez. Ao mesmo tempo, o estilo de Milton Nascimento não deixa de beber nas fontes regionais brasileiras, nos cantos folclóricos de Minas Gerais e de outros estados. Um universo de musicalidade e sensibilidade ímpares.

No dia 26 de outubro, sexta-feira passada, Bituca fez aniversário completando 70 anos de idade. Uma carreira de 50 anos de estrada e uma obra difícil de ser comparada a de qualquer outro artista de seu tempo. São tantas histórias, casos, tantos mitos e passagens brilhantes na carreira deste gênio da canção pop mundial, que uma biografia seria e voltada para a obra deste patrimônio mundial da cultura seria bem vinda. Vida Longa ao Bituca. Som, amor e poesia para uma era de incertezas e, também, de realizações humanas como Milton Nascimento.



Caricatura: Head

Fotos: Mario Thompson



Clube da Esquina - 40 anos de um sonho que nunca envelhece
By Arte Vital Vídeos







9 comentários:

Anônimo disse...

Maravilha de artigo e um vídeo que me fez chorar!
Fazer 70 anos trazendo um legado vivo como este é de uma grandeza infinita.
Obrigada MILTON!
Obrigada, 'Arte Vital'! <3

Luana - BH

Pepe Chaves disse...

Sensacional o vídeo, emocionante, my brother. Minas agradece;) Pepe Chaves-BH

Anônimo disse...

MARAVILHA DE MILTON!

Anônimo disse...

Milton é a raiz mais profunda da nossa cultura. sua musica é universal. Lindo artigo!

Naná

Anônimo disse...

Milton reinventou a MPB e canta como ninguém neste planeta!

Marcelo Ribamar

Anônimo disse...

Lindo artigo, parabéns!

Dayana disse...

Maravilhoso!!!!

Celso Lins disse...

N A S C I M E N T O ...................
PIUUUUUPIIIIIII!

Ele é o cara!

Anônimo disse...

Não há palavras, realmente:
Texto maravilhoso!

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