quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A genialidade fica


 Grileira Voadora
          Por Antonio Siqueira


Quando um coração para de bater, ele passa a bater no infinito e eu creio nisso, achem o que queiram achar. Mas me impressiona mesmo é quando o pensamento continua aqui, vibrante, preciso, eloqüente, genial... Como se jamais tivesse partido. Fernando Toledo era isso, um cérebro pensante, criador, gênio de mil textos, matérias, artigos de diversos seguimentos críticos, mas sempre com um carinho muito especial à primeira arte, pois o rapaz, se não foi um brilhante virtuose na pele de guitarrista e violonista, era o ser humano que melhor conhecia a historia da musica do nosso país, nunca perdendo a universalidade musical de suas idéias, enfim...Conhecia a musica, na prática, na teoria e filosóficamente como ninguém.

     Se entre nós estivesse, teria completado no dia de ontem, 44 anos. Meu amigo Fernando prezava e celebrava tanto o seu 04/01, que suas comemorações se entendiam por dias após. Feliz Aniversário, Grillo! Bebe uma por mim aí com os seus amigos ‘anjos geniais’, e diga ao Fausto que eu também entrei para a legalidade.

     Tomo a liberdade de publicar aqui uma das centenas de resenhas do Toledinho, tão difícil escolher uma, mas esta me é especial e nem sei muito explicar o por que. Talvez seja a menção à genialidade de Marcel Proust, comparando-a a de Paulinho da Viola. Posso sim, revelar que o ARTE VITAL existe devido às insistências desse gênio jornalístico-literário que muito me pediu para que tivesse um espaço para publicações. Um dia a gente se encontra para que tu possas me explicar os segredos do infinito, meu brother... E porquê os girassóis morrem tão cedo.


Paulinho da Viola, seu tempo é hoje

          Se ao menos me fosse concedido um prazo para terminar minha obra, eu não deixaria de lhe imprimir o cunho desse Tempo cuja noção se me impunha hoje, com tamanho vigor, e, ao risco de fazê-los parecer seres monstruosos, mostraria os homens ocupando no Tempo um lugar muito mais considerável do que o tão restrito a eles reservado no espaço, um lugar, ao contrário, desmesurado, pois, à semelhança de gigantes, tocam simultaneamente, imersos nos anos, todas as épocas de suas vidas, tão distantes – entre os quais tantos dias cabem – no Tempo. (Marcel Proust – O Tempo Redescoberto).
 
     Paulinho da Viola opera da mesma forma: sua obra é um olhar penetrante e contudo lânguido para o passado, seja o seu próprio ou o da Arte que pratica, filtrado pelas lentes de seu Presente, do qual não abre mão em hipótese alguma. Percebe-se nas composições de Paulinho um apelo ao elementos primordiais do samba e do choro, elementos estes que ganham, em suas mãos, a estatura de bisturis capazes de dissecar o Homem em seus aspectos mais complexos; de, como em Proust, revirar seu lodo íntimo e trazer, como moedas de ouro no cofre de um galeão naufragado (para usar uma imagem ligada ao mar, tema tão freqüente em suas composições), todo o seu mundo à tona. Exemplos claros disso são sambas como Roendo as unhas, Comprimido, Dança da Solidão, Coisas do mundo, minha nega, em que coisas diminutas, fragmentos de pequenos nadas, daqueles que nos passam desapercebidos devido ao turbilhão de informações em que vivemos, adquirem sua real estatura, num exercício de síntese capaz de apresentar o profundo entendimento de sua complexidade por meio de canções populares, que qualquer um seria capaz de assobiar.

      Pois Paulinho é isto: um Proust do samba, expressando-se com as ferramentas que este último lhe proporciona. E ferramenta é um quesito de que Paulinho entende.
     O filme Paulinho da Viola – Meu Tempo é Hoje, de Izabel Jaguaribe, é uma obra serena, como sereno é seu tema: inicia-se com um chamamento, Bebadosamba, em que o compositor evoca os nomes que compõem seu Passado musical – como verbetes de enciclopédia, nomes de bambas de diversas escolas são convidados a integrar sua obra. E, pela qualidade das músicas de Paulinho, torna-se fácil atestar que prontamente atenderam.

      A película prossegue com a imagem de um Paulinho da Viola tranqüilo, caminhando pelas ruas cariocas. Visita a Livraria Elizart, célebre por abrigar uma seção de obras especializadas no Rio Antigo. Entra em diversas lojas de ferramentas e peças de reposição. E assim somos apresentados a uma faceta não muito conhecida de Paulinho, mas que explica muito acerca de sua motivações: sua paixão por consertos, sejam eles de relógios, de poltronas, de carros antigos (possui, em seu sítio uma frota dos mesmos, que promete que vai pôr nas ruas “em breve” – breve este já adiado há algum tempo). É, segundo ele, o que lhe dá algum sentido de ordem, o que o faz pisar no chão. Ao mesmo tempo, declara que sua maior ambição é ter Tempo para não fazer absolutamente nada, apenas se entregar a uma contemplação sem objetivo concreto.
Esses pequenos instantâneos de Paulo César de Faria são entremeados por números musicais. A Velha Guarda de sua querida Portela executa canções e faz depoimentos. Como é dito: Paulinho é o padrinho do conjunto, mas quem pede a benção é ele, a eles – um exemplo da reverência deste mestre para com os seus próprios.

      Outro número musical comovente é o encontro de três gerações: seu pai César de Faria, seu filho João e ele mesmo, executando um choro. Seu César não se contém e deixa caírem as lágrimas. Logo ele que, como diz Paulinho, em “Catorze Anos”: “Perguntou-me se eu queria/ Estudar Filosofia/ Medicina ou Engenharia/ Tinha eu que ser doutor”. Mas, como se sabe, a sua aspiração “Era ter um violão/ para me tornar sambista”. E provou que sambista, apesar dos pesares de ordem financeira, tem valor nesta terra de doutor.
E no que reside o supremo valor de Paulo César de Faria? O de ser um homem gentil, carinhoso, educado e elegante até a raiz azul e branca de seus ossos? O de ser um artista único, capaz de unir, sem maiores atritos ou contradições, toda uma carga de passado e presente, aprimorando a cada dia este último? Sim, tudo isto, e também o fato ter a consciência de que a obra de Arte não é capaz apenas de captar o presente, mas sim de modificá-lo, de atuar no mesmo de maneira marcante, sem a necessidade de pirotecnias: um consertador, em última análise. E dos bons.

Por Fernando Toledo




Artigo originalmente publicado na Revistada Musica Brasileira



 
Foto:
Arquivo de Paulo Toledo


Musica: "Flor de ir embora", na voz de Márcia Cristina




11 comentários:

Anônimo disse...

Eu cheguei a ler esse cara vivo. Uma experiência sem igual.
Que voz linda cantando Fátima Guedes!

Luana BH

Anônimo disse...

"Quando um coração para de bater, ele passa a bater no infinito e eu creio nisso"...Eu tb creio!!

Lindo texto...bela homenagem...Toninho!!!
Parabéns mais uma vez!!!...

Amo-te!!

Obs: Obrigada...Luana!!"^^"

Anônimo disse...

MEU AMIGO FERNANDO TOLEDO! GENIO QUE DEIXOU SAUDADE E UM VAZIO INTELECTUAL ENORME EM NÓS!

Anônimo disse...

Você tem uma voz linda, Márcia Cristina! Beijo fofo...Lu

Anônimo disse...

Valeu...mais uma vez!!!Beijão Lu...!!! :D

Lucas Vinicius disse...

belo texto e homenagem,a essa pessoa semi igual,gostaria que você visita-se o meu blog para que você o critica se ele para mim.
http://apared.blogspot.com

Sandra Britto disse...

Homenagem carinhosa ao Sr. Dos Raios e Relâmpagos, que se juntou aos bons.

Adriana Lemos disse...

Sem palavras... Fernando foi o que deveria ter sido... frequente entre nós, seus amigos... com certeza...
Parabéns Antõnio! Tudo super em seu blog!

Adriana Lemos disse...

Sem palavras...

Anônimo disse...

Fernando adorava essa música, se bem me lembro...Muito legal tudo isso. Sem palavras...

Drica

Dayana disse...

Maravilha de homenagem!
Conheci Ferenando pessoalmente e, além de genio, era um homem romântico e sensível. saudades.

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