quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Espelhos do Tempo

Um clássico da MPB Moderna
Por Antonio Siqueira

Espelho das Águas - Capa





      











     

      A musica pop do Brasil possui mais baixos do que altos e isso está às claras para qualquer bom entendedor. Nunca se produziu tanto lixo cultural como agora e a possibilidade de produzirem-se novidades, cuja qualidade supere o descartável e eternize assim alguma obra de impacto, se torna cada vez mais remota.  Clássicos são coisa de um passado cada vez mais distante, álbuns elaborados do começo ao fim, arranjos impactantes e interpretações épicas... Tudo isso hoje é quase sobrenatural. No universo vasto da musica pop, a jovem Adelle é um fenômeno inquestionável e que alcança, milagrosamente, todas as camadas sócio-culturais. Apenas uma andorinha tentando iluminar um verão de trevas, um marasmo deprimente regado a muito funk delinqüente, axé e samba-nojo.

       Neste caldeirão de sociopatas da musica, alguns excelentes artistas brasileiros tentam produzir a todo custo, álbuns que mantenham a boa qualidade de outrora, resistindo, assim, às exigências de um mercado ávido e febril por resultados esdrúxulos e que perpetuem a burrice coletiva. Zé Renato é um perfeito exemplo: Há 10 anos este cantor e compositor de voz sublime, grava o que sua personalidade autônoma determina, obtendo notável aceitação de um público que só precisa saber que o seu trabalho está lá na prateleira ou em algum servidor de downloads e compras on line.

      No que concerne às bandas que atravessaram as últimas três décadas, o grupo mineiro 14 Bis celebrou  em 2011, 30 anos de estrada com um DVD ao vivo e a reedição de seus clássicos que marcaram uma geração de nostálgicos apreciadores da boa música. Seu antigo líder e co-fundador, Flávio Venturini, deixou o grupo em 1987 para seguir uma carreira solo que o consagrou definitivamente como um dos melodistas mais talentosos da musica contemporânea além de, anteriormente ter saboreado um estrondoso sucesso pilotando os teclados do épico e eterno O Terço em meados dos anos 1970. Porém o grupo permaneceu firme e manteve uma média impressionante de mais de oitenta shows por ano e gravando regularmente, apesar das armadilhas do mercado fonográfico nacional e da total ausência de incentivos fiscais. Foram dez discos autorais de qualidade, um belíssimo acústico gravado em 1999, um DVD (o grupo ensaia a produção de um segundo que celebra a volta de Flávio Venturini) e alguns clássicos inesquecíveis, como Espelho das Águas; belíssimo álbum gravado em 1981 e uma das obras mais bem elaboradas da história dos fonogramas nacionais.

       “Espelho das Águas” tem uma ficha técnica de notáveis profissionais, a começar pela belíssima capa concebida por Cafi, um papa da fotografia e das artes gráficas. Antes dos CDs, as capas, contracapas e encartes dos antigos Long Plays eram um detalhe importantíssimo na composição de um disco e Cafi fez história.  O álbum prima pela beleza inquestionável de composições que se tornaram verdadeiros clássicos como “A Qualquer Tempo”, “Razões do Coração”, “Dança do Tempo”, “Mesmo Brincadeira” (que foi o single, o carro chefe do disco), “Ciranda”, “No Meio da Cidade”, “Vale do Pavão” e “Espelho das Águas”, esta última, uma suíte instrumental maravilhosa e que intitula este clássico.

      O disco prima pela beleza de suas letras, a maioria delas escritas pelo “nerudeano” Marcio Hildon Borges, o homem que escreveu e deu voz e poesia ao “Clube da Esquina”. Haja vista as belíssimas, “Dança do Tempo”, “Doce Loucura”, “Vale do Pavão”, que com certeza foi escrita na época em que Marcinho viveu em Visconde de Mauá, na região serrana fluminense (Vale do Pavão é um dos lugares mais belos da região, repleto de orquídeas, bromélias, cachoeiras, uma fauna que impressiona cravado dentro das montanhas e a  pinga da maromba dispensa comentários) e a inspiradíssima, “No Meio da Cidade” em parceria com Vermelho; este, uma enciclopédia repleta de criação; um maestro e visionário compositor, autoridade máxima no piano, no clássico órgão farfisa e nos sintetizadores da época. A música mudou e muito, mas Vermelho não; graças a Deus! A boa música agradece.

     O álbum inicia com “Queima Baby, uma musica leve, uma balada rock de Claudinho Venturini, bem aos moldes do que, profeticamente, viria acontecer nos anos que se sucederiam no rock nacional. Mas o que vem adiante é um verdadeiro show de diversidade, tirando do bom e velho 14 Bis qualquer rotulo que o mantivesse estigmatizado ou estagnado no tempo. Os próprios admiradores do longevo grupo não sabem bem ao certo como classificar a obra dos rapazes, mas recomenda-se algo semelhante à universalidade que sempre foi o cartão de visitas da instituição. Em “Espelho das Águas”, passeia-se até pelo cool jazz na genial “Razões do Coração” com letra sublime de Luiz Carlos Sá que, volta e meia, deixava o seu parceiro Guti Guarabira para curtir outras praias, o que sempre o fez com a competência de um criativo setentista; flerta com a beatlemania em “Lua de Algodão”, assinada pela parceria perfeita de Flávio com Cezar de Mercês, desde os tempos de O Terço; valseia docemente com “Doce Loucura” que deu vez aos bons compositores que são o baixista Sergio Magrão e o baterista e simpatia pura, Hely Rodrigues; invoca Milton Nascimento em “Nos Bailes da Vida”, que talvez seja o mais belo arranjo feito para este clássico da MPB moderna; balança os corações apaixonados com o belo country, “Mesmo de Brincadeira”, de Claudio Venturini, Vermelho e o produtor Mariozinho Rocha... Que foi hit dos mais tocados em todas as AM e FMs por muito tempo e faz sonhar com “Ciranda”, uma canção de beleza delicada e singela que consagrou de vez a grande parceria de Murilo Antunes com Flávio Venturini e o 14 Bis. Só pra lembrar, Flávio e Murilo são autores de “Nascente”, uma das canções mais gravadas da Musica Popular Brasileira que ganhou o mundo jazz, também sendo interpretada por papas e divas do gênero.    

      O Arte Vital tomou a liberdade de mencionar e registrar aqui este álbum que marcou época. Uma maneira de resgatar um clássico que dispensa comentários, classificação de  gêneros, estilos e segmentos. O Grupo 14 Bis tem esse charme e quando se emplaca uma ou mais obras-primas que voem nas asas da eternidade é nela que se deve estar; na história perene de quem ainda está vivo e tem a consciência indestrutível de que bom gosto é fundamental. A cultura de uma civilização não resiste se esta não tiver a sua memória protegida e preservada.


Arte Vital Videos trás Ciranda, de Flávio Venturini e Murilo Antunes, um dos grandes momentos de Espelho das Águas








* Nota:
Se vivo estivesse, Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim completaria exatos 85 anos. Saudades deste maestro maravilhoso  que tive o privilégio de acompanhar, ouvir e saborear sua obra excepcional. O grande divisor de águas da música popular contemporânea no Brasil. Canta mais, Tom!







8 comentários:

Anônimo disse...

MA...RA...VI...LHA!!!
Esse CD é mágico!!!
Músicas divinas...que marcaram...
Amooo!!

E Tom Jobim...
Ah...esse dispensa quaisquer comentários!!...

Beijão... Toninho!!!

Anônimo disse...

Em tempo...

O vídeo ficou lindooo!!! ;) <3

Anônimo disse...

Antonio, eu ouvi esse disco novinha de tudo, menino. Que abordagem legal, esse texto está mais que excelente. Valeu!
Luana - BH

Anônimo disse...

BONS TEMPOS DA MELHOR BANDA DE TODOS OS TEMPOS!

Marcelo

Vermelho # 14Bis disse...

Antonio,
Mostra sensibilidade e conhecimento nesse texto sobre Espelho das Aguas. Apesar de ser parte do 14 Bis, tenho liberdade e distanciamento para poder elogiar seus comentarios sobre a evidente pobreza da musica que ouvimos por aí hoje em dia. Mas felizmente tem mta genta fazendo coisa boa e continuaremos sempre apreciando a (boa) Musica. Valeu! Abs. Vermelho #

Dayana disse...

Não há nada que preste não, querido. Vermelho deve estar se referindo ao som pura e unicamente alternativos e que não atingem o grande público que está morto culturalmente. Ouvi demais estes clássicos do 14 Bis, do Boca Livre...Saudades daquele tempo.

Osvaldir Sodré da Silva disse...

Antonio,
Talvez por esta e outras,(e antes se falava do insconsciente coletivo! - agora sem in), dá-se tanta ênfase ao 2012, ao fim.A banalização vem num crescente, da religião ao futebol, enfim. A música na era do rádio, bom...com o mundo globalizado, suas consequências. Sofre-se. Usa-se os meios de comunicação..depõem ditaduras...e nos impõem goela abaixo coisas do tipo "ai seu te pego, eu te mato", título por sinal bem sugestivo, sequer deveria ter nascido. E a Luiza,como comparar? Refiro-me a Luiza do Tom; e a Amélia, a Conceição, a Gente Humilde, enfim, como você diz, para o bom entendedor.............
Continuemos! Água mole em pedra dura.....

Antonio Siqueira disse...

Sem palavras, querido Osvaldir...Às vezes as palavras certas se evadem diante de um brilhante pensamento. Quero lhe ver mais por aqui, um espaço feito para pessoas como você.

Abs

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