terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Clones inaudíveis


Eu sou você amanhã
  Por
  Antonio Siqueira



Todo artista, por mais talentoso e genial que seja, sofre algum tipo de influência na sua trajetória para um possível sucesso. Nas artes cênicas, o teatro brasileiro, por excelência, nos apresenta diversos atores de extrema capacidade e postura de palco que não titubeiam ao exaltar suas referências na arte de representar. Fernanda Montenegro, Paulo Autram e Cacilda Beker, são os principais ícones de duas gerações bem sucedidas. No cinema não é diferente, pois volta e meia, surgem novos candidatos a Antonionis anti-heróicos, Fredericos Fellinis neoliberais Hitchcocks que não causam medo ou suspense, Spielbergs ensandecidos, Amaldovares multicoloridos, enfim, uma fauna de usurpadores vampirescos e chatos. No Brasil, pelo menos, os aspirantes a Glauber Rocha desistiram do Cinema Novo ou por que não, o compreenderam, ou pela falta de espaço no mercado, o que é um alívio, pois Glauber foi único, apesar de, por vezes, ser tão surrealista a ponto de não dar a mínima chance aos estudiosos de sua metafórica obra, de decifrar a sua verdade oculta. É humanamente impossível imitar o que não se entende.

      No universo da música, esse fenômeno é como uma praga. Quase todos os artistas populares do nosso tempo têm uma verve beatlemaníaca. Nada foi tão “divisor de águas” quanto o quarteto inglês e as circunstâncias daquela época do século 20, o pós-guerra e outras irremediáveis mudanças de comportamento que aconteciam naturalmente no coração do homem moderno. Tanto que, quem sepultou os Beatles não foram seus eventuais filhotes e sim o novo. O Rock’n Roll se renovara no final dos anos 60 com os maiores artistas do gênero que já surgiram até hoje e, o mais impressionante, com trabalhos originais: Hendrix e Joplin,  grupos como Led Zeppelin, Gênesis e Yes, ajudaram, involuntariamente é claro, - não a beatlemania, pois eles são eternos e deixaram apóstolos incansáveis para reescreverem a história do rock e da música pop.

      O mundo fervia com suas transições e a música popular brasileira também se transmutava gradualmente. A Bossa-Nova já havia surgido levando o cancioneiro popular brasileiro aos quatro cantos do planeta, quando os Tropicalistas, com sua Geléia Geral, tentavam abalar as estruturas do regime ditatorial dos generais. Pouco depois surgiria o Clube da Esquina de Milton Nascimento, Lô Borges e um “trem mineiro” de músicos geniais que revolucionava a maneira de se fazer música por aqui. O rock nacional, finalmente, tornou-se um adolescente simpático. O samba, princípio de quase tudo, tentava reciclar o que jamais necessitara de reciclagem e deu à luz - ou às trevas - a seus subgêneros mais lodosos como o pagode ou sambanojo, como bem escreveu o saudoso jornalista, Fernando Toledo, em uma de suas explosões urbe-filosóficas.

     Até o parágrafo anterior, a criatividade era clarividente, mesmo com influências visíveis de compositores e intérpretes ainda que contemporâneos. Podia-se notar que na obra de Ivan Lins havia uma visitação constante a Tom Jobim e a Jackson do Pandeiro, que Caetano Veloso e João Gilberto eram, às vezes, quase a mesma pessoa; que havia muito de Lô Borges, Beto Guedes e Clube da Esquina no trabalho de Guilherme Arantes que, recentemente, até confessou usar as harmonias dos mineiros para criar as suas;  que Flávio Venturini, apesar de ser um dos mais talentosos compositores da música contemporânea, pilota os seus teclados com influências fortes de Keith Emerson, o lendário tecladista do grupo inglês Emerson, Lake & Palmer. Os arranjos com participação de Venturini em suas respectivas bandas, O Terço e 14 Bis - na fase inicial -, são belas revisitações que, no 14 Bis, geraram verdadeiras obras-primas, com a parceria do mesmo Venturini com Vermelho, este último com uma formação sofisticadamente clássica é imprescindível ao grupo até hoje. Maria Gandu, mais recentemente, transformou-se em uma versão chinfrim demais da inigualável Cássia Eller.

      A MPB moderna, atualmente, tornou-se um grande conglomerado de clones inaudíveis. Seria muito tortuoso enumerar cada morto-vivo nesse teatro de horrores produzido e dirigido pela mídia. Gente da monta de Fausto Silva, Gugu Liberato e Raul Gil, deveria ser Prioridade numa eventual Revolução Cultural. Só que um artista em especial chama a atenção nessa rapsódia de ignomínias: Jorge Vercillo. Certa vez, há pouco mais de quinze anos, fui a um famoso bar carioca, o Hospício do Chopp em Realengo, na zona oeste do Rio. Vercílo tocava em casas noturnas cariocas e, por acaso, tocava neste mesmo lugar citado. Percebi que o rapaz já interpretara Djavan pela décima vez naquela noite e com uma destreza incrível, fechava-se os olhos, veria-se o alagoano. Saí de lá bestificado com a Djavan Cover Session apresentada pelo jovem carioca com cara e trejeitos de Latin Lover norte-americano. O que me intrigou demais, foi ver o mesmo Jorge Vercillo se lançar no mercado, apadrinhado pelo mesmo Djavan, surgir com força total no mercado fonográfico nacional. Quando o ouvi numa FM da cidade, pensei que fosse ele, o Djavan, mas não era. Pensei: “nada mais se cria, tudo se copia”... (... eu sou você amanhã...), como disse um maluco que era velho e guerreiro. Foi quando percebi o quanto é insólita a nossa cultura popular.

5 comentários:

Anônimo disse...

Tudo isso que vc descreveu aí, com algumas ressalvas, só tem um nome: Plágio! Ridículos e limitados sim. Amei a expressão: "Clones inaudíveis" rs...E são mesmo!

Luana Campanelly

Anônimo disse...

Além do texto esclarecedor, o grande barato foi a musica que tá rolando no blog e este macaco ouvindo musica no headphone...Você é impagável, cara!

MS

Celso Lins disse...

Então pode me sacanear por que a minha voz e a do Chris Martin são a mesmíssima coisa! :/

mariza lourenço disse...

o mundo evoluiu, o homem evoluiu, a ciência evoluiu, até o bicho mais feroz anda surpreendendo com algumas doçuras. a criatividade, no entanto, sumiu em algum canto do passado. o homem abriu mão da genialidade criativa em troca de alguma coisa que ainda não consigo definir. por fama, talvez. por poder e dinheiro, certamente. a verdade é que, hoje, não passamos de meros reprodutores de outras épocas mais ricas. daí a impressão de já termos ouvido algumas melodias, acordes e vozes novos, ou lido alguns poemas inéditos. somos ecos, na maioria das vezes, muito inferiores às vozes originais.
não gosto dos novos tempos porque, tenho certeza, jamais haverá outro Adoniran, Noel, Pixinguinha, Cartola, Elvis. eles deixaram um belo legado e nós não soubemos aproveitar. pior, não aprendemos que a arte, qualquer uma, é dom e qualquer arremedo não passa de uma triste cópia.
belo artigo.

Sandra Britto disse...

Desculpe-me mas, esta aula boa prá caralho me tirou o sono. Sua originalidade Antônio é inimitável porém, inspiradora.

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