terça-feira, 3 de agosto de 2010

Gênio, mago, louco, veloz e híper virtuoso...

Uma escola flamenca chamada Paco

DVD duplo de um dos maiores violonistas em atividade joga luz numa carreira que já foi barrada no Teatro Real espanhol, transcrito aqui a partir do show e das entrevistas do making off.  

Por Antonio Siqueira


Paco de Lucia

















     Este DVD duplo resgata a vida e a obra de um dos maiores violonistas do mundo, o espanhol Francisco Sánchez, vulgo Paco de Lucía. No vídeo 1, um documentário repassa sua carreira relembrando fatos marcantes pelo próprio Lucía, músicos próximos e amigos dele. No 2, a edição completa de dois concertos que ele realizou em 1991, um deles retornando à monumental peça de Joaquín Rodrigo: Concierto de Aranjuez.

      O concerto, já gravado em CD por Paco de Lucía (1993), foi realizado com a Orquesta de Cadaqués regida por Edmon Colomer. Ao final, o vídeo traz uma das últimas imagens do compositor Rodrigo, que foi ao concerto já bem debilitado (ele morreu em 1999 aos 98 anos). O outro concerto do vídeo tem Paco acompanhado por um duo de violões repassando cinco temas próprios.

      No excelente documentário, realizado por duas produtoras espanholas de TV, Paco de Lucía é personagem focado em diferentes ambientes, incluindo o familiar na bela casa de praia que possui em Yucatán, no México. O músico diz que se mudou para o litoral mexicano porque "o clima de Madri é muito seco". Imagens da carreira, depoimentos de amigos e músicos são entrecortadas por cenas pessoais.

      Paco de Lucía nasceu em Algeciras, no sudoeste da província de Cadiz. O pai, violonista de flamenco, teve grande influência sobre sua formação. Da mãe, a portuguesa Luzia Gomes, veio o apelido que se tornou artístico. O primeiro mestre foi o pai, depois Niño Ricardo. Ainda na infância, integrava grupos de música flamenca e estreou no rádio com 11 anos. Músico extremamente habilidoso ao instrumento e com profundo senso melódico, Paco de Lucía é desses artistas prodígios que sofreram incompreensão em seu próprio país, a exemplo do acontecido também com o genial músico argentino, Astor Piazzolla.

      No filme, ele relembra episódios em que foi duramente criticado por improvisar no flamenco, uma escola rígida que não admitia sequer a mudança na posição de portar o instrumento. "A posição [vertical] do instrumento era porque sempre se tocava com apenas quatro acordes e os músicos achavam mais fácil manter o instrumento de pé, mas, à medida que se evoluiu no conhecimento de escalas, já não dava para manter assim porque precisava ter apoio ao braço que dedilha", comentou Paco.

      Posição de tocar a "guitarra" (como o violão é tratado na Espanha) foi apenas a face visível dos motivos que levaram os tradicionalistas a atacar Lucía: a improvisação e a ampliação do universo sonoro do flamenco. O filme refaz esse arco de Paco que passa por outro dos grandes compositores espanhóis de concerto, Manuel de Falla (1876-1946), a parceria com um dos maiores intérpretes vocais do flamenco (El Camarón de la Isla - Jose Monge Cruz, 1951-1992) e a chegada ao jazz. O jazz, aliás, rendeu a Paco trabalhos de maior relevo comercial com o pianista Chick Corea e o duo de guitarristas Al Di Meola e John McLaughlin (Guitar Trio, de 1996 - vendeu mais de 6 milhões de cópias). É curios hoje ouvir o músico, mirando nos "silêncios eloqüentes" do Concierto de Aranjuez, dizer que não vê mais tanta graça naquela reunião de músicos "extremamente técnicos e velozes".

      Outra barreira que Paco precisou vencer foi de parte da escola erudita espanhola. O poeta Félix Grande diz no filme que Paco foi o músico que mais sofreu a resistência da direção do centenário Teatro Real, tido até então como palco exclusivo de música erudita. Tocar música popular no Teatro Real de Madrid era uma heresia. "Já tocava em palcos do mundo até mais importantes para música clássica do que o do meu país", relembrou um resignado Lucía.

        O resumo da trajetória de Paco de Lucía, 62 anos, é dado logo no início pelo violonista Manolo Sanlúcar: "Paco é o melhor símbolo do que significa uma estrela porque encanta até quem não sabe disto". O DVD, lançado pela Universal, não tem previsão de chegar ao Brasil. Quem se animar a vê-lo deve se preparar para o preço salgado da importação e se contentar com legendas em inglês e francês. O último CD dele lançado no Brasil é de 2004, Cositas Buenas (Universal), um apanhado desse "nuevo flamenco", uma verdadeira escola do gênero que ele criou.

PACO DE LUCIA , John McLaughlin , Al Di Meola

9 comentários:

Anônimo disse...

Paco de Lucía recebeu no dia 8 de maio p.p; o título de Doutor Honoris Causa de Música pelo Berklee College of Music de Boston.
Depois de dois anos sem turnê, este gênio se encontra numa turnê européia com datas agendadas até o final do ano de 2010.
Vamos torcer para que ele venha ao Brasil o mais breve possível; pois há uns 2 anos atrás quando ele tinha datas marcadas no Brasil os shows foram cancelados.
Parabéns pelo brilhante post em homenagem a este gênio excepcionalmente brilhante do cenário músical!
Abç.

Celso Lins disse...

Meu brother, muito legal esse texto. Mas que vídeo é esse? Os caras destroem!!!

Antonio Siqueira disse...

Obrigado pelas informações, devidamente catalogadas aqui no meus arquivos. Parabenizo-lhe, igualmente, pelo também brilhante comentário. Fique à vontade sempre...

Antonio Siqueira

Antonio Siqueira disse...

Esee vídeo é TUDO, Celsito! Al di Meola, McLaughlin e Paco quebrando tudo.

mariza lourenço disse...

sou perdida de paixão por Paco de Lucia. suspeitíssima pra falar dele, responsável pela minha canhestra incursão no universo flamenco, não minto ao confessar que as imagens evocadas por esse mestre são as mais fantasiosas e viajantes.
obrigada por esse presentão, Antonioni querido!
te amo.
beijo

Anônimo disse...

A história da trajetória deste grande violonista é belíssima.

André

Celso disse...

Dedos mágicos, velozes, harmoniosos...o cara é o melhor do mundo!

Magda Camila disse...

Eu tinha lido esse belo texto ontem. Não consegui comentar. Também me arrisquei com o flamenco. Só sei dizer que não existe nada mais sensual e que mexa comigo em termos de música do que paco de Lucia.lembro de todos os shows que assisti dele no Canecão. Thank you!

Anônimo disse...

Paco de Lucia é o mestre dos mestres no flamenco. No trio, ele é o único que não usa as palhetas e apesar do virtuosismo dos outros, ele é disparado o melhor.

Postar um comentário

Diga-me algo