quarta-feira, 5 de maio de 2010

Resposta para quando você crescer, Rafael. A humanidade é bem mais complexa do que supõe a nossa vã filosofia...



Todos Iguais?
Por Antonio Siqueira





“_Tio Antonio, e se todos nós fossemos humanos da mesma cor? O mundo seria melhor?” Dispara sem dó, o rebento e intrépido Rafael, no infinito dos seus oito anos, filho do jornalista e radialista da Studio 98.7, Claudio Cunha, durante um acalorado debate em mesa redonda, para este humilde escriba, que se viu como um goleiro na hora do pênalti, inclusive com direito à paradinhas desconcertantes. Na verdade o Rafa queria saber mesmo é se todos nós fossemos de uma raça só, o mundo seria melhor e com menos injustiças. Respondi na lata; _"Rafinha, para o tio só existe uma raça, a HUMANA!" O menino filosofou dentro da sua pureza e ingenuidade e lançou-me um olhar desafiador como quem diz: ”Esse cara vai querer me enrolar!”. E não deu outra; Claudio partiu com o filho nos braços às gargalhadas e eu precisei guardar a resposta para quando ele amadurecer mais um pouco, pois vivemos numa atmosfera muito pesada para um "pivete" bem educado como o Rafinha.

Mas aproveitando o gancho; com certeza, os negros não teriam sido escravizados, não haveria existido o Apartheid, nem o nazismo. Ou seja, a história da humanidade seria completamente diferente. Engano seu, meu pequeno Rafa. A natureza humana é bem mais complexa que isso: mesmo que todos tivessem a mesma cor de pele, textura de cabelo ou formato de olhos bastaria que algum povo se destacasse no desenvolvimento tecnológico e econômico para se sentir superior aos demais. Aí o argumento do domínio não seria a diferença física, mas sim, sócio-cultural, que justificaria a exploração dos mais fracos pelos mais fortes e daria origem a todo tipo de intolerância. Para inventar raças, não se precisa de nenhum marcador aparente, apenas uma narrativa. E nem é preciso muita imaginação para exemplificar como isso ocorreria. Em Ruanda, tútsis e hútus não se distinguem por traços físicos, língua nem religião. Mas, para dominá-los, a Bélgica, seu ex colonizador, criou carteiras raciais que distinguiam os dois grupos. Apoiou a elite tútsi e a jogou contra os hútus. Em 1994, passadas sete décadas, hútus se vingaram matando meio milhão de tútsis. 

Um grande professor me disse um dia que “Se evolução não tivesse criado distintos biótipos, a divisão das sociedades seriam baseadas na diferença de língua, religião, ancestralidade ou castas." O Robertão é sabio.

Mesmo por caminhos diferentes, Rafael, no final o mundo estaria dividido, dando origem a disputas por poder, guerras étnicas e, mais adiante, luta por igualdade de orgulho das minorias. Sim, você já ouviu esta história antes...

A belíssima ilustração foi cedida por Minerva

7 comentários:

Denise Almeida disse...

Muita cultura e é isso que dá: um belíssimo texto oriundo de uma reflexão que partiu de um questionamento infantil.
O escritor é um provocador. Provoca um pensar constante, provoca crítica e principalmente mudanças - o grande lucro é o exercício cerebral... um contínuo repensar sobre tudo que há neste mundão do qual bem pouco conhecemos.
Antônio, gostaria de usar seu texto em minha Sala de Leitura, posso?
Um carinhoso abraço.
Denise Almeida

Antonio Siqueira disse...

Será uma honra, Professora Denise, rs.

Camilla Lourenço disse...

O mundo está tão podre que ouvir essas coisas de um menino de 7 anos deve deixar qualquer um sem graça né?
Te adoro Tony!
Beijocas da filha postiça

mariza lourenço disse...

mandou bem, meu caríssimo Antonioni, se não fosse pela raça, seria pela etnia ou, então, pela crença, ou ainda pelo gênero. a verdade é que o homem não se contenta em apenas sê-lo, precisa ser mais para justificar sua eterna busca de ter mais. e assim caminha o homem, errando, na maioria das vezes, ensaiando uma humanidade que está longe de ser perfeita. a tristeza toda disso é que as novas gerações, longe de terem apreendido o real e nocivo significado das diferenças, acabaram por absorver a cultura das diferenças, como se elas pudessem ser justificadas por fatos históricos.
enfim, deixa o Rafinha crescer.
texto maravilhoso
beijo

Antonio Siqueira disse...

Seus comentários são maravilhosos e sua redação divina, meu amor!

Antonio Siqueira disse...

Camilosa, que coisa mais fofuxa que eu ganhei!!!! Tb te adoro, filhota!

Anônimo disse...

Antonio, definitivamentte você é doido, hehehehe!

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