quinta-feira, 15 de abril de 2010

O primeiro e único...


A Literatura Surrealista de  
Campos de Carvalho
Por Antonio Siqueira
 







O surrealismo mexe tanto com o imaginário humano, que por inúmeras vezes o interlocutor desiste ou arquiva a interpretação do que se expõe a ele nesta linha do pensamento moderno. É tão somente uma combinação do representativo, do abstrato, e do psicológico. Segundo os surrealistas, a arte deve se libertar das exigências da lógica e da razão e ir além da consciência cotidiana, expressando o inconsciente e os sonhos. André Breton, em 1924, publica o primeiro Manifesto Surrealista, devidamente inserido no contexto das vanguardas de uma Paris que por três séculos foi o grande centro cultural do planeta. Como toda ação tem uma reação, e por diversas vezes, uma reação em cadeia; estava ali, já em processo avançado de evolução, o principal embrião do que, de fato, viria ser o Modernismo.

O Brasil é um ambiente fecundo de grandes escritores, porém o primeiro grande escritor surrealista surgido aqui foi, sem dúvidas, o mineiro de Urbelândia, Walter Campos de Carvalho. Um escritor desconcertante, avesso à mídia e à glória, esta última, Campos de Carvalho via com grande desprezo e revelava aos mais íntimos, achar medíocre. Advogado formado aos 22 anos e já em São Paulo tinha a vida ligada, quase que integralmente, à literatura, apesar de ter escrito somente seis livros. O mais conhecido, A Lua Vem da Ásia, é um verdadeiro manifesto surrealista. Contam que o escritor baiano, Jorge Amado, após ler este livro em 1956, entrou em uma livraria em Salvador e comprou todo o estoque de exemplares. Estava tão impressionado com o que tinha lido que resolveu mandar exemplares aos amigos. Eis um trecho desta obra:


“Quando em 1934 atravessei sozinho o deserto de Iguidi, tendo por única companhia um casal de borboletas, ocorreu-me a aventura mais surpreendente que pode ocorrer a um homem vivo ou morto, e que procurarei resumir em três linhas. Foi o caso que um dia despertei transformado em mulher e, nessa qualidade, fui pouco depois recrutado para o harém do sultão de Marrocos, onde servi como pude durante um ano e 14 dias.”


 

A trama de A Lua Vem da Ásia se passa num hospício e é repleta de lances hilariantes, como uma tentativa de fuga num Zeppelin envolvendo personagens completamente absurdos. O nome dos capítulos (Capítulo sem Sexo, Capítulo CLXXXIV, Capítulo) e a total ausência de seqüência entre eles (do Capítulo Primeiro pula para o Capítulo 18 graus) dão uma idéia do que espera o leitor. Campos de Carvalho é prazeroso de se ler.


Em 1997, Campos de Carvalho concedeu uma entrevista a uma emissora de TV. Seria esta a primeira e última: Após 40 minutos de um quase monólogo, o entrevistador, desesperado, tentava fazer com que o escritor dissesse algo que fosse além dos três ou quatro monossílabos com que era brindado a cada nova pergunta. E arriscou: O senhor é feliz? Campos de Carvalho olhou para o alto do estúdio, para os lados, para o chão. Após um minuto e meio de um silêncio avassalador, ruidoso, o escritor finalmente respondeu. Não. O entrevistador, visivelmente constrangido, tentou uma saída pela esquerda e emendou: Se o senhor pudesse mudar alguma coisa no mundo, o que mudaria? De novo, um longo silêncio. Um pouco mais leve. E a resposta: Nada.

O autor deixou mais três novelas além de A Lua Vem da Ásia, todas com títulos, digamos, diferenciados: Vaca de Nariz Sutil, A Chuva Imóvel e o Púcaro Búlgaro esta última escrita em 24 dias. Após isso, parou inexplicavelmente de escrever.

Campos de Carvalho morou por mais de 50 anos no bairro de Higienópolis em São Paulo, onde residiu até os últimos dias de vida. Gostava de passear todas as tardes e numa dessas tardes, teve um mal estar súbito. Pouco antes de morrer contou a mulher, Lygia que estava passando mal: “Por causa de um sorvete que tomei”. Este era Walter
Campos de Carvalho, talvez o primeiro e último escritor surrealista do Brasil.

1 comentários:

Anônimo disse...

Eu já tinha ouvido falar desse cara, agora me interessei em le-lo rs!

beijo

Luana

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